Por Enrico Ortolani – Professor titular de Clínica de Ruminantes da FMVZ-USP (ortolani@usp.br)
CISTICERCOSE BOVINA PREOCUPA EM MATO GROSSO DO SUL
Embora a cisticercose possa ocorrer em todo o Brasil, nesse último mês tal parasitose foi mais relatada e preocupante no estado de Mato Grosso do Sul. Segundo levantamento feito por um especialista, foram detectados em alguns lotes de bovinos confinados ao redor de 9 % de cisticercose nos animais abatidos.
Em cerca de metade deles a quantidade de cisticercos vivos ou calcificados na carcaça não era tão alta (até 8 cisticercos vivos ou calcificados), tendo a possibilidade da carcaça ser “tratada” pelo frio (- 9º C) por 10 dias para a morte do cisticerco, mas as demais carcaças dos animais altamente infectados foram parar na graxaria, impróprias para consumo.
Em ambas situações os prejuízos são enormes para o pecuarista, pois nos casos de carcaças “tratadas pelo frio” constatei que os frigoríficos descontam, em média, 50% do valor pago pelo boi e no caso de graxaria a perda é total, não sendo remunerado nada para o pecuarista.
Nesse caso particular de MS, o especialista consegui detectar como os bovinos se contaminaram com o parasita. Depois de investigar concluiu que os animais antes de entrarem no confinamento permaneciam numa grande pastagem, para descanso e adaptação ao ambiente.
Esse piquete era recém-formado e ficava em área com alto fluxo de pessoas, entre eles contratados para reforma de cercas, plantio de cana-de-açúcar e caçadores, que defecavam no local, contaminando o ambiente com ovos de Taenia saginata.
Esses ovos, depois de ingeridos pelo boi, se transformam em embriões no intestino e por aí penetram no organismo. Já um pouco mais evoluídos migram e ficam encarcerados na musculatura e em outros órgãos, dando origem aos cisticercos (canjiquinhas). Para prevenir o quadro recomendou-se cercar melhor o local e evitar a entrada de estranhos.
A cisticercose bovina pode se originar da ingestão de alimentos ou de água contaminada com fezes humanas de pessoas que têm a teníase, por comerem carne bovina, com “canjiquinha”, mal passada.
É bom que se frise que em muitos casos é difícil o controle da cisticercose na boiada, ou porque não se sabe onde os ovos estão ou pela dificuldade em combate-los nas pastagens, nas aguadas e em outras paragens. O pior é que o homem está no centro de tudo!
SURTO DE BABESIOSE EM SANTARÉM, NO PARÁ
Segundo relato de médico veterinário que atendeu o surto, numa fazenda de Santarém (PA) morreram em poucos dias 10 vacas Nelore com sintomas muito sugestivos de babesiose: tristeza, abatimento, isolamento, eliminação de urina com cor de “coca-cola” (hemoglobinúria), algum grau de anemia, globo ocular amarelado (ictérico), febre etc.
Na necrópsia, detectaram as seguintes alterações: acúmulo de líquido sanguinolento no saco que recobre o coração (saco pericárdico), rins com coloração mais escura, fígado aumentado de tamanho, e vesícula biliar cheia de bile com aspecto viscoso etc. Comprovou-se definitivamente a doença encontrando no exame de sangue a presença de do parasita (Babesia bigemina) dentro das hemácias.
Foram vistos ainda alguns carrapatos na pele dos animais doentes. A partir do diagnóstico outros 10 animais adultos tiveram os mesmos sintomas, mas todos sobreviveram após o tratamento com medicamentos apropriados.
Essa doença é transmitida por carrapatos, embora a minoria deles esteja naturalmente contaminada com o protozoário causador da doença. Animais enfraquecidos ou que tem poucos anticorpos e defesas contra o parasita são os mais propensos a se tornarem doentes.
No Brasil, temos três condições em relação a presença de carrapatos em bovinos. Na pontinha do estado do RS (município de Santa Vitória do Palmar, onde fica o arroio Chuí) não tem carrapatos (livre). Do centro do PR, toda a região sudeste, MS, MT, GO e algumas regiões da BA, TO, PA e MA, existe a possibilidade de parasitismo por carrapatos no decorrer de praticamente todo ano (estabilidade enzoótica).
E nos estados do RS, SC parte sul do PR, AC, RN, boa parte da região nordeste e em áreas dos estados do PA, AM, AP e RR os carrapatos atacam o gado apenas em uma parte do ano, ficando ausente em outros períodos (instabilidade enzoótica).
Se nessa última área, o tempo sem a presença de carrapatos for muito prolongado ocorrerá queda na produção de anticorpos contra os agentes causadores da tristeza parasitária (Babesia bigemina e B.bovis e Anaplasma marginale) ficando os bovinos, principalmente os adultos, mais propensos à doença.
Especula-se que, nesse surto em Santarém, os bovinos ficaram “descarrapatados” durante o período prolongado de chuvas (dezembro a abril), em que a precipitação média ultrapassa em muito os 100 mm mensais, que dificulta muito a sobrevivência de larvas de carrapatos nas pastagens.
Com a diminuição das chuvas em maio e o início do ataque de carrapatos, surgiu subitamente a doença nos bovinos mais desprotegidos. Ainda faltam maiores estudos na região de Santarém para comprovar essa especulação.
BERNE EM PLENO PERÍODO SECO EM SP
No mês de junho, durante o início da estação seca, continua relativamente alta a infestação de bernes nas boiadas das regiões de Sorocaba e São João da Boa Vista, em SP. Segundo minha contagem, o número de bernes médios por animal foi um pouco mais alto em junho de 2023 que no mesmo mês de 2022 (11,40 X 8,12), num rebanho mestiço (Nelore X Angus) criado na região de Sorocaba.
Estudos clássicos no estado de São Paulo identificaram que o maior ataque de bernes está associado aos meses cujas as temperaturas (> 23º C) e as pluviosidades (> 80 mm) médias são mais altas. Porém, como esses valores (temperatura e pluviosidade) foram muito semelhantes em 2022 e 2023, acredita-se que a maior população de bernes no presente ano esteja ligada a maior resistência destes ectoparasitas aos bernicidas empregados, no presente caso a base de organofosforados.
A questão da resistência dos bernes a um maior número de princípios ativos parece aumentar ano-a-ano e desafia os pesquisadores e as empresas veterinárias que fabricam tais medicamentos, e assusta os pecuaristas principalmente das regiões sul e sudeste onde o berne mais campeia.
FOCOS E SURTOS DE RAIVA PELO BRASIL AFORA
MATO GROSSO: Diamantino e Chapada dos Guimarães (Fonte: Indea)
PARÁ: Tomé-Açú (Fonte: Adepará)
SÃO PAULO: Tupã, Marília, Miracatu, Juquitiba, Juquiá e Pindamonhangaba. Curiosidade: foi comprovado raiva em uma anta que vida livre em Novo Horizonte (Fonte: EDA)
RIO GRANDE DO SUL: Alegrete, Bossoroca, Cachoeria do Sul, Campo Bom, Dom Feliciano, Gravataí, Itaqui, Itatí, Jari, Jaguari, Santiago, Redentora, Taquara. (Fonte: Seapi)
Mande sua notícia da presença de focos ou surtos recentes dos mais variados tipos de doenças em gado de corte para o seguinte email: ortolani@usp.br
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