Por Enrico Ortolani – Professor titular de Clínica de Ruminantes da FMVZ-USP (ortolani@usp.br)
Essa coluna consta de duas partes: A) Manejo Sanitário para o mês; B) Registro recente de doenças transmissíveis ou não, sugerindo medidas para suas prevenções. Tais registros são obtidos com o apoio das Agências Estaduais de Defesa Sanitária Animal, de Professores Universitários, do MAPA, da EMBRAPA, e da rede de contato de veterinários de campo, assim como minhas observações.
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MORTE DE GADO NELORE POR FRIO NO MS: ENTENDA OS MOTIVOS!
Segundo dados do Instituto Estadual de Defesa Animal e Vegetal (Iagro-MS) morreram do dia 11 para o dia 12 de junho 1.071 bovinos de frio (hipotermia), a esmagadora maioria da raça Nelore, em diferentes pontos do Mato Grosso do Sul, com destaque para a região de Nhecolândia (Pantanal). Estima-se inicialmente que o prejuízo foi a R$ 3 milhões de reais.
Mortes por frio já foram muitas vezes descritas (1975, 2000, 2010 e 2014) nesse estado, com destaque para a região sudoeste, matando em conjunto provavelmente mais de 50.000 cabeças. É importante lembrar que o ano de 2010 foram também contabilizadas mais de 5000 mortes de gado Nelore por hipotermia no Pantanal boliviano e no paraguaio.
A hipotermia (hipo = baixa; termia = temperatura corporal) acontece pela associação de três fenômenos meteorológicos: A) alta temperatura no dia anterior a chegada da frente fria B) seguida de chuvarada (acima de 25 mm de chuva/dia) acompanhada de ventos gelados, neblina e nevoeiro, e C) queda brusca de temperatura ambiente, com mínimas inferiores a 9ºC.
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Nessas condições (baixa temperatura, alta umidade do ar e algum vento) a sensação térmica do animal é de 4º – 5ºC e não de 9º C, como registrado no termômetro. A amplitude térmica (diferença entre a máxima do dia quente e mínima do dia frio) para ocorrer a morte deve ser superior a 17º C, fenômeno denominado de inversão térmica.
Na região de Nhecolândia, onde mais ocorreu morte pelo frio, a amplitude térmica foi de 25º C (34ºC máxima e 9º C mínima) em menos de 15 horas, e choveu 30 mm num dia. Em Ponta Porã, onde é mais comum morrer gado de frio, mas não foi registrada morte nesta atual “friaca”, a amplitude foi de 20º C, mas as chuvas atingiram apenas 8 mm.
O gado nessas condições procura abrigos contra o frio, a chuva e o vento, sendo a morte mais frequente em bovinos criados em ambientes muito abertos. Segundo apurei 80% das rezes que morreram eram vacas paridas e bezerros desmamados, boa parte deles subnutridos, porém sucumbiram alguns poucos animais relativamente gordos.
Segundo informações que obtive com meteorologistas, o estado do Mato Grosso do Sul, com destaque para sua região sudoeste, são as áreas no Brasil em que o fenômeno de inversão térmica é mais pronunciado e rápido, facilitando a morte de zebuínos.
Num estudo que realizamos aqui na FMVZ-USP, verificamos que animais subnutridos produzem 65% menos hormônios da tiroide (T3 e T4), que estimulam o animal queimar calorias para aumentar sua temperatura, que bovinos bem alimentados e gordos.
Animais bem nutridos têm uma maior capa de gordura debaixo da pele, que funciona como isolante térmico. Porém, a gordura estocada no organismo não é sinônimo de que ela possa ser empregada em curtíssimo prazo para gerar calorias, pois para que isto ocorra demora um pouco mais de um dia para esta mobilização de gordura.
A pergunta que não quer calar é por que os zebuínos são mais atingidos? A morte por hipotermia ocorre de forma idêntica em gado Brahman, de sangue zebuíno, no sul da terra do Tio Sam. Os zebuínos, no decorrer do tempo e por viverem em ambientes quentes, foram muito adaptados para dissipar (perder) calor do organismo, evitando o estresse térmico, e não para reter o calor, diferente do gado taurino ou meio sangue.
No dia quente que antecede a “friaca”, o zebuíno elimina muito calor. A chuva e o vento fazem o animal perder muito mais calorias para se esquentar. É o mesmo que você acabar de tomar um banho gelado e não se enxugar e além disso ficar no vento frio, baixando sua temperatura interna para valer. Na madrugada do dia frio a temperatura interna do corpo, que normalmente fica estável em torno de 38º C, despenca para menos de 35º C.
Essa hipotermia grave diminui os batimentos cardíacos, assim como a pressão arterial, e faz o bovino perder a consciência, provocando a morte, por parada cardiorrespiratória em poucas horas. Este espaço de tempo é insuficiente para desenvolver um quadro de pneumonia, que só iria acontecer se os dias muitos frios se prolongassem.
Porém, o gado zebuíno pode sobreviver em ambientes mais gelados (temos relatos de aguentarem até – 1º C, desde que a temperatura caia mais lentamente, dando tempo para que os animais possam se adaptar e começar a mobilizar suas reservas de energia para a geração de calor.
A prevenção deve ser feita melhorando a nutrição do rebanho, combatendo as doenças, como a verminose, colocando cercas-vivas ao redor das pastagens e nos dias muito frios acendendo fogueiras para o gado se esquentar.
OUÇA 🎧 | Perdas de bovinos por hipotermia em MS podem ser evitadas
JULHO: PREPARAÇÃO PARA O NASCIMENTO DE BEZERROS
Seguindo o calendário de cobertura ou inseminação da vacada de meados de outubro a janeiro, os bezerros vão começar a nascer no mês de agosto. Assim, julho é o mês de preparo de materiais e treinamento para peões para o nascimento de bezerros.
Lave ou compre novos os frascos apropriados (Foto: copo sem retorno) para o tratamento do umbigo; deixe preparado já nos frascos solução de iodo a 6% ou o uso de produto comercial adequado (consulte seu veterinário).
Treine os “materneiros” para a imersão de todo o umbigo na solução desinfetante por 30 segundos a 1 minuto nessa solução, evitando de molhar a pele do bezerro, pois provocará uma inflamação no local.
Compre uma solução de iodo forte a 10% e use 600 mL dessa solução em 400 mL de água filtrada ou álcool absoluto. Estoque essa solução num frasco escuro (frasco claro pode interferir no produto) e só no começo da estação de parição transfira a solução para o frasco apropriado.
Prepare também a solução de antiparasitário, para a prevenção da bicheira no umbigo, disponibilizando seringas e agulhas descartáveis para a aplicação subcutânea. Resultados desapontantes tem sido obtido com o uso de ivermectina, devido a alta resistência das larvas de bicheira a este princípio ativo.
Embora a eficiência da doramectina esteja diminuindo a cada ano, ainda muitos técnicos têm recomendado o seu uso.
Muitos me perguntam da necessidade do uso de antibióticos injetáveis no primeiro dia do nascimento. Acompanhei uma fazenda que tratou metade dos bezerros com esse medicamento e a outra metade não.
Não existiu diferença entre os grupos nas frequências de inflamações de umbigo e diarreias. Deve-se evitar o uso de antibióticos quando não necessário, pois além de ter um custo aumenta a chance de resistência de bactérias a esses medicamentos.
Mande sua notícia da presença de focos ou surtos recentes dos mais variados tipos de doenças em gado de corte para o seguinte email: ortolani@usp.br
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