Fórum de Davos e a carne bovina

Maurício Palma Nogueira, coordenador do Rally da Pecuária, destaca papel da pecuária na captação de carbono

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Divulgado como se fosse pesquisa científica, a versão de 2019 da série de relatórios “Meat: The Future” focará o uso de proteínas alternativas para reduzir o consumo de proteína de origem animal nas próximas décadas. O relatório será apresentado entre os dias 22 e 23 de janeiro durante o Fórum Mundial de Economia, a ser realizado em Davos, nos Alpes Suíços.

A argumentação segue a linha, já adotada há anos por essa corrente de pensamento, de que o consumo de carne é causa de grande parte dos males ambientais e ameaça a sustentabilidade do planeta – tese que ganhou força a partir da divulgação do relatório intitulado “The Livestock Long Shadow”, em 2006. Desde então, pesquisas recentes e a exaustiva explicação de conhecimentos acumulados sobre produção pecuária e reações bioquímicas no sistema solo-planta-animal-atmosfera foram apresentados pela comunidade científica especializada. Ainda assim, tais conhecimentos continuam sendo negligenciados pelos autores que se propõem a discorrer sobre o futuro do consumo de proteína.


O relatório, que será apresentado em Davos, baseia-se nas teses centrais de que o consumo de carne traz malefícios à saúde humana e de que a sua produção é grande emissora de gases do efeito estufa – o que justificaria a restrição do consumo nos próximos anos.

Para associar cientificamente o consumo de carne a riscos à saúde, os autores focam a argumentação em variáveis que também estão associadas a outros tipos de alimentos que possuem altos teores de sódio, carboidratos e açúcares.
O consumo de carne, em si, não é sinônimo da presença de moléculas que causem problemas de saúde. A comparação com os substitutos naturais da proteína animal, sugerida pelos autores, explora a falta de alguns nutrientes na carne, como é o exemplo das fibras. Embora esteja correta, a tese exclui a opção por uma dieta equilibrada, incluindo carnes, cereais, legumes e verduras. Qualquer nutricionista confirmará a importância de uma dieta desse tipo, maximizando os benefícios de cada um dos alimentos. A questão do sódio sugere que a comparação tenha sido feita com carnes condimentadas ou processadas.

Os principais substitutos à carne, apresentados pelos autores, são tofu, jaca, lentilha, insetos ou hambúrgueres cultivados em laboratório.

A tese das emissões de carbono é ainda mais falha quando considerados todos os avanços do debate conduzido ao longo dos últimos anos. Os números das emissões de carbono na pecuária sempre desconsideram o total que é removido pelo sistema. O bovino não é uma entidade independente que simplesmente cresce nos campos. É preciso produzir forragens para alimentá-lo, sendo que o aproveitamento da parte aérea dessas forragens é de cerca de 30% a 40% do que é produzido apenas. O restante fica no solo junto com as raízes que, no caso das gramíneas tropicais, acumulam a mesma quantidade de massa que a parte aérea.

Em outras palavras, de todo o carbono removido da atmosfera pelas plantas, os bovinos conseguem tirar apenas entre 15% a 20%, sendo que parte desse total será transformado em produtos (leite, bezerros, carne) e outra parte será emitida. Diversos pesquisadores, especializados no tema vêm explicando há anos a complexidade dessa interação sistêmica. Quando todo o balanço é rigorosamente considerado, conclui-se que a pecuária seja capaz de neutralizar e até mesmo remover da atmosfera mais carbono do que emite.

Ao desconsiderar a remoção de carbono do sistema nesse tipo de relatório, os responsáveis se defendem dizendo que os dados não foram confirmados cientificamente. No entanto, estão desprezando décadas de pesquisa e conhecimento acadêmico sobre edafologia, construção de fertilidade do solo, bioquímica e produção pecuária em ambiente tropical. O conhecimento está disponível e antecede o debate sobre emissões de carbono, basta honestidade intelectual e inclusão de pesquisadores especializados no debate para que os balanços das emissões pecuárias sejam fiéis.

Raciocínio semelhante ocorre com o uso da água. De toda água usada na produção pecuária, 99% vem das chuvas que caem sobre pastos, que retornam para a atmosfera pela chamada evapotranspiração, que é a soma do que evapora do solo e do que é transpirado pelas plantas. O efeito ambiental, nas devidas proporções, é o mesmo que possibilita a formação dos “rios voadores”, apontados como um dos maiores benefícios da floresta amazônica em pé. Ironicamente, o mesmo efeito benéfico é computado como um passivo ambiental quando ocorre nos pastos.

Voltando ao carbono, a sugestão de substituir o consumo de carne por proteínas artificiais é um contrassenso, haja vista que os próprios autores do relatório apontam que as emissões são elevadas pelo tanto de energia demandada na produção. As emissões de ambas as proteínas são semelhantes, sendo que no caso da pecuária o correto seria considerar o balanço todo e não apenas as emissões.

Segundo o relatório, o hambúrguer de laboratório é produzido hoje a um custo de R$ 93/kg. Ao consumidor, a carne bovina chega hoje R$ 22/kg, considerando a ponderação entre preço e proporção dos cortes em uma carcaça. Os autores apostam na evolução tecnológica para projetar uma redução nos custos dessa proteína nos próximos anos. No entanto, novamente omitem o potencial tecnológico do sistema de produção de carne, especialmente em ambiente tropical.

No Rally da Pecuária, expedição que vai anualmente a campo entrevistar produtores nas principais regiões pecuárias do Brasil, a produtividade média dos 10% mais eficientes está por volta de 750 kg de carcaça (carne com osso) por hectare/ano. A produtividade média do Brasil é de apenas 60 kg de carcaça/ano. Num cálculo hipotético, imaginando que toda a pecuária atingisse esse nível de produtividade, só o Brasil poderia ofertar 130 milhões de toneladas de carcaça bovina na mesma área atual de 165 milhões de hectares. É quase o dobro da produção mundial de carne bovina em 2018, que foi próxima de 72 milhões de toneladas.

Nessa hipótese, apenas aumentando a produtividade do sistema de produção brasileiro, a oferta de carne bovina seria suficiente para elevar o consumo global de 9,6 kg per capita de carne por ano para 25 kg. E esse sistema ainda pode ser replicado na África subsaariana e em outros países da América do Sul e Ásia, com elevado potencial de redução nos custos de produção e aumento da acessibilidade da carne bovina às populações mais pobres.

Do ponto de vista ambiental, econômico e social, é muito mais interessante discutir e incentivar ações que possibilitem disseminar o potencial da produção topical, já testada no campo, para outras regiões do globo. Além da possibilidade de atender a demanda por proteínas mais nobres, a própria produção contribuiria para a melhoria da qualidade vida nos países de clima tropical. Resumo anual sobre o fluxo financeiro na cadeia produtiva pecuária, divulgado pela Abiec (Associação Brasileira das Indústrias Exportadoras de Carne), mostra que para cada R$ 1 que entra nas fazendas produtoras de gado, outros R$ 6 são movimentados em outras etapas da cadeia produtiva.

A proposta de elaboração de relatórios, como os da série “Meat: The Future”, são importantíssimos para influenciar decisões que impactarão a vida de bilhões de seres humanos. No entanto, ao omitir variáveis cientificamente comprovadas na construção dos cenários, os autores comprometem as conclusões e, consequentemente, as pressões que possam surgir a partir das decisões que serão formuladas num fórum da importância do que é realizado em Davos. Tais pressões, contrárias à produção de carne, acabam impactando negativamente o desempenho econômico dessa atividade, atrasando o fluxo de investimentos em sistemas de produção mais intensivos e, aí sim, mais sustentáveis.

Ao invés do desenvolvimento, melhoria da qualidade de vida e acesso à proteína de qualidade, a proposta dos autores é oferecer jaca, tofu, lentilha, insetos e uma carne artificial inacessível à população mais pobre do planeta. Não deixa de ser uma recomendação desumana.

*As opiniões expressas nos artigos não necessariamente refletem a posição do Portal DBO.

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