Em entrevista, Everton Andrade, especialista corporativo da Friboi, fala sobre a nova legislação de bem-estar animal desde o pré-embarque até a sangria
Por Maristela Franco
O bem-estar animal tornou-se pré-requisito para a exportação de carne bovina para vários países e ganha cada vez mais atenção do consumidor brasileiro, levando as indústrias frigoríficas a investir fortemente nessa área. Por meio da Portaria 365, publicada pelo Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (Mapa), em junho de 2021, foram estabelecidas regras claras de pré-abate, abate humanitário e métodos de insensibilização. Essas regras, que deveriam entrar em vigor neste mês de agosto, foram adiadas por mais seis meses, pela Portaria 631 (27/7/2022), mas vieram para ficar.
O adiamento atendeu a uma demanda principalmente dos médios e pequenos frigoríficos que não têm estrutura para cumprir todas as exigências estabelecidas pela 365. Os grandes, contudo, já vinham se preparando para isso há bastante tempo. Em entrevista concedida à editora de DBO, Maristela Franco, o especialista corporativo de saúde e bem-estar animal da Friboi, Everton Andrade, explica o impacto da portaria e apresenta novidades nessa área.
Continue depois da publicidade
Maristela – Qual o impacto da nova regulamentação no frigorífico?
Everton – A JBS já tinha um programa de bem-estar animal estabelecido na cadeia produtiva, tanto na indústria quanto no transporte e na capacitação de fornecedores de bois em boas práticas. Então, já vínhamos com uma régua alta, atendendo exigências do próprio mercado (clientes, bancos, ONGs), além de protocolos internacionais. A portaria do Mapa veio regulamentar algumas práticas de bem-estar, do embarque na fazenda até a sangria no frigorífico, o que é bom para a cadeia. Muitas delas já faziam parte da nossa rotina. Então, o impacto da portaria será positivo. Ela permitirá que as empresas se alinhem melhor às demandas observadas em missões e auditorias.
Maristela – No que diz respeito à recepção dos animais, o que mudou?
Everton – Não muito. Agora é obrigatório alimentar os bovinos em caso de mais de 24 horas de espera. Há alguns anos, temos investido na adequação dos currais das plantas de abate, com instalação de cochos para alimentar os animais, colocação de piso antiderrapante, aspersores, sombra. Temos de 8 a 12 câmeras de monitoramento em 100% das unidades, para acompanhar de longe o manejo dos animais. Nós temos um AWO (animal welfare office) em todas as unidades. Esse profissional verifica se nosso programa de autocontrole está sendo cumprido.
Maristela – Essa, inclusive, é uma das exigências da portaria: ter programa de autocontrole de bem-estar e um profissional responsável em cada planta…
Everton – Sim, nós já temos as duas coisas, porque atendemos à regulamentação europeia 1099, de 2009, que exige a presença de um AWO na planta de abate. Esse profissionat tem total autonomia para treinar, auditar e verificar indicadores de bem-estar, desde o recebimento do gado no frigorífico até a sangria, além de indicadores pós-sangria. O AWO faz essa gestão e também dá feedback aos fornecedores (pecuaristas) sobre a saúde dos animais, contusões e processos de manejo pré-abate. Hoje, o bem-estar é um dos quatro pilares globais da JBS. Nós temos um programa há muito tempo, com protocolo PAACO, certificado pela WQS, e também o selo próprio Cadeia de Fornecimento, auditado pela SBC.
Maristela – Quantos responsáveis por bem-estar animal a empresa tem, hoje?
Everton – São 33, todos integrados à garantia da qualidade. Essa é uma responsabilidade dividida. A originação, o transporte e a indústria têm regras a cumprir e o responsável pelo bem-animal faz a interface entre essas áreas. Ele é que faz a gestão de indicadores, audita os caminhões, treina os motoristas, orienta, indica melhorias nas instalações e na frota de veículos. Nem todo mundo tem AWOs, mas precisará ter.
Continue depois da publicidade
Maristela – Você falou várias vezes em indicadores; o que são exatamente?
Everton – Nós usamos como base o protocolo internacional do NAME (North American Meat Institute), que, inclusive, foi desenvolvido pela Dra Temple Grandin. Os indicadores que mencionei são quantidade de escorregões, queda, uso de bastão elétrico, eficiência de insensibilização, tempo de sangria. Para todos eles, nós temos limites (nível aceitável), que são monitorados, in loco, por câmeras e pelo profissional. Ele checa tudo: se o animal está escorregando, se está caindo, se está sendo descarregado e conduzido de forma correta, se a ocupação dos veículos está adequada, se o motorista foi treinado. A Portaria 365 determina que isso agora seja feito por todos os frigoríficos com SIF. Aqueles com inspeção estadual e municipal terão mais tempo para se adequar.
Maristela – Na insensibilização dos animais, mudou alguma coisa?
Everton – Os métodos continuam os mesmos (uso de pistola de dardo cativo). A Portaria 365 determina que o frigorífico tenha equipamento apropriado (portátil) para insensibilização em caso de abate emergencial no caminhão ou no curral do frigorífico, procedimento que deve ser acompanhado pelo Serviço de Inspeção Federal. Nós temos esse equipamento em todas as unidades e também em 100% dos nossos confinamentos. Muitas das boas práticas de bem-estar que usamos nas plantas de abate são replicadas nas unidades de engorda e repassadas para os pecuaristas participantes do Programa Fazenda Nota 10, que hoje reúne mais de 500 participantes. Investimos mais de R$ 20 milhões nos últimos anos em equipamentos de insensibilização e de contenção de animais no abate. Temos uma parceria com a Beckhauser para desenvolver equipamentos específicos para isso.
Maristela – Vocês já estão usando esse equipamento em quantas plantas?
Everton – Temos o box hidráulico em 70% das nossas unidades. Ele é silencioso e garante contenção mais adequada. O box pneumático já era bom, mas nós subimos a régua, desenvolvendo um equipamento em parceria com o fabricante. Uma das demandas era que o animal entrasse no box de forma mais tranquila, atendendo indicadores como eficiência na insensibilização, eficiência no primeiro disparo e baixa vocalização. Investimos nesses equipamentos e na capacitação do funcionário para conseguir atender todos os protocolos nacionais e internacionais. Temos o selo PAACO, certificado pela WQS, e também o selo próprio Cadeia de Fornecimento, auditado pela SBC.
Também temos parcerias importantes com o professor Mateus Paranhos, da Unesp-Jaboticabal, e com a BEA Consultoria, dentre outras. A professora Temple Grandin também; há cada dois anos, ela visita nossas plantas, para nos atualizar sobre bem-estar animal. Vemos aí os stakeholders, bancos, grandes redes de varejo criando políticas de bem-estar, devido a demandas dos consumidores.
Maristela – Alguma novidade na parte de transporte de animais?
Everton – Dessa área eu gosto muito. A DBO, inclusive, fez uma reportagem sobre a alteração da altura das carretas boiadeiras de 4m40 para 4m70, devido a um trabalho que a JBS fez junto com o professor Mateus Paranhos, mostrando que o bovino brasileiro ficou mais alto e havia necessidade de adequações no transporte. Foi permitida essa mudança e, nos últimos dois anos, investimos mais de R$ 50 milhões em carretas modernas com altura de 4,70 metros.
A Portaria 365 fala, principalmente, em capacitação de motoristas e espaço adequado para os animais dentro dos veículos. Nós temos, hoje, mais de 2.000 motoristas transportando animais; somos o único frigorífico que carrega quase 60% dos bois que compra por meio de transporte próprio, usando carretas modernas com elevador, os outros 40% são transportados por transportadoras terceirizadas que têm de seguir as mesmas regras. Contratamos o zootecnista Adriano Páscoa, da BEA Consultoria (MG), para fazer auditorias em nossas plantas, capacitar motoristas e funcionários envolvidos com o manejo do gado nos currais de espera. É assim que identificamos oportunidades de melhorias e nos preparamos para missões estrangeiras.
Maristela – A Portaria 365 também abrange o manejo pré-embarque nas fazendas de gado. O que ela estipula?
Everton – Na propriedade de origem, essa legislação prevê que o embarque seja feito de forma tranquila, sem uso de instrumentos que provoquem lesões nos animais ou agitação desnecessária. Os bastões de descarga elétrica são permitidos apenas em casos excepcionais. Quem monitora isso pra gente é o próprio motorista. Investimos na capacitação de produtores, por meio do Projeto Fazenda Nota 10 e, em outubro, vamos lançar três treinamentos voltados a toda a cadeia. Assim, quando o SIF olhar nosso boletim de embarque, verá, pelos registros do motorista, que atendemos à nova regulamentação. Investimos em bem-estar porque é bom e estamos sempre de olho nos animais.
Maristela – Que novidades vocês têm na área de bem-estar animal na planta?
Everton – Estamos colocando um equipamento, na unidade de Campo Grande (MS), que se chama “empurra boi”. Ele agiliza a entrada do animal na sala de abate, evitando o uso de choque elétrico e facilitando a vida do funcionário responsável pelo setor. Já temos 10 instalados e a ideia é equipar todas as unidades.
Maristela – A Portaria 365 ainda permite o abate de vacas prenhes, um tema polêmico hoje. Mudou alguma coisa?
Everton – A portaria proíbe o abate nos últimos 10% da gestação [28 dias] e o feto não pode ser removido antes do término da sangria, dentre outras coisas. Mas nós sempre orientamos nossos fornecedores a não enviar fêmeas prenhes para abate no terço final da gestação.