Volumoso é usado nos períodos secos; ponto de atenção é baixo teor de proteína, que precisa ser compensado com a adição de outros nutrientes. Além disso, a palma é considerada “um silo de água”, pois é composta de 90% de água.
Por Welliton Moraes
Resistência à seca, boa palatabilidade, além de alta capacidade de adaptação ao meio ambiente, elevados índices de produção de biomassa e custos menores. Essas são algumas características que transformaram a palma forrageira, um cacto, em um dos alimentos mais valiosos e estratégicos para os rebanhos de regiões áridas e semiáridas do Nordeste brasileiro. É uma espécie de coringa da dieta local. Isso porque, além de ser a base do alimento volumoso desses animais, ainda funciona como um reservatório de água, que garante a hidratação do gado nas zonas mais secas.
Continue depois da publicidade
Espécie nativa das regiões áridas da América Central, principalmente do México, a palma forrageira foi introduzida no Brasil no fim do século 19, com o objetivo de produzir o corante carmim, sendo posteriormente descoberta sua vocação forrageira. Logo, diante dos sucessivos períodos de secas no Nordeste, passou a ser usada na alimentação do gado. A aceitação foi tamanha que atualmente o Brasil é o maior produtor mundial de palma forrageira, com mais de 500 mil hectares de área cultivada.
As maiores plantações estão localizadas nos Estados de Pernambuco, Paraíba, Alagoas, Rio Grande do Norte e Bahia, sendo que as duas espécies mais presentes no pasto brasileiro são a O. ficus-indica, de forma maior e arredondada, e a N. cochenillifera, de menor dimensão e mais doce. Ambas se adaptam bem às adversidades do solo ressequido de parte do semiárido brasileiro, principalmente devido à sua capacidade quanto à absorção, aproveitamento e retenção de água, o que a torna uma alternativa primordial para o gado criado em locais cujo regime de chuva é mais instável.
“A palma é a única cultura na região que suporta as condições impostas pelo clima do semiárido. Cada dia mais os produtores estão tendo consciência de que a palma é a base alimentar do rebanhos situados nessas localidades mais secas e, na medida do possível, estão investindo”, observa Marne Portela Rêgo, supervisor de Captação de Leite da empresa Lactalis do Brasil na cidade pernambucana de Bom Conselho.
De forma semelhante, o analista de transferência de tecnologia da Embrapa Meio Norte, em Teresina (PI), o médico veterinário Anísio Ferreira Lima Neto, também reforça a importância estratégica e os motivos da expansão da palma como volumoso.
“Essa ampliação tem sido motivada pela irregularidade do período chuvoso, pela alta produtividade da espécie e também pela eficiência no uso da água para produção de forragem, assim como pela sua capacidade de produzir em zonas áridas e semiáridas”, assinala o especialista, para quem já há algum tempo a palma se tornou um elemento fundamental na estratégia alimentar dos produtores nordestinos, principalmente, cuja eventual ausência ou queda na produção compromete o desenvolvimento dos rebanhos.
Continue depois da publicidade
De acordo com o agente da Lactalis do Brasil, a planta também tem se revelado uma excelente fonte de energia, chegando mesmo a substituir totalmente o uso do milho em algumas dietas alimentares, sem comprometer a qualidade da alimentação se feitas as compensações indicadas.
“É um ‘silo’ de água, pois é composto de 90% de água, o que resulta em menos consumo de água pelos animais. A desvantagem é que o plantio da palma é atividade que exige muita mão de obra, desde o plantio até a colheita”, explica Portela, acrescentando que algumas pragas estão surgindo e outras, que já existiam, como cochonilha-do-carmim, continuam a atuar em alguns Estados do Nordeste, o que pode ampliar os riscos de perda.
Mas, apesar das inúmeras propriedades da palma forrageira, é consenso que seu uso na dieta animal deve ser compensado com outros nutrientes, por causa do seu baixo teor de proteína. Portela ressalta que para compensar essas deficiências é necessário corrigir, além da proteína, também o percentual de fibra da dieta, pois a palma possui somente 10% de matéria seca em sua composição. Entre as fontes de fibras que podem ser adicionadas, ele menciona silagem, feno, bagaço de cana e caroço de algodão.
Quanto à correção de proteína, Portela diz que o ajuste pode ser feito com adição de concentrado com maior percentual proteico em sua composição. “O ajuste da dieta dos animais é essencial para um melhor custo/benefício”, diz o especialista, acrescentando que a dieta alimentar à base de palma forrageira é indicada para qualquer tipo de rebanho localizado em qualquer região do País, desde que se tenham as particularidades exigidas para o cultivo da palma e se façam as correções necessárias na composição do alimento.
Além disso, por ser rica em energia, Portela esclarece que a palma forrageira pode ser utilizada na substituição total ou parcial de outros ingredientes com maior custo de produção, como o milho, o que a torna mais atrativa economicamente. Aliás, em termos econômicos, o especialista ainda frisa que a adoção dessa planta como alimento volumoso é mais rentável do que a alimentação tradicional (milho, soja).
Atualmente, em razão de aprimoramentos genéticos que vêm sendo realizados e da ampliação do uso de tecnologias mais avançadas em todo o ciclo da planta, o cultivo de palma está mais seguro, além do que essa espécie de cacto está mais resistente a ataques de pragas.
“Estimula-se o plantio de variedades resistentes às pragas (palma orelha de elefante e a palma miúda ou palma doce). Pesquisadores ainda estão analisando e corrigindo o solo, coisa que antes não se fazia, além de fazerem os tratos culturais normais a qualquer cultura”, acentua Portela.
Já Lima Neto, por sua vez, lembra que a praga cochonilha-do-carmin quase dizimou os palmais no Nordeste brasileiro, mas assegura que na atualidade esse risco é praticamente nulo por causa da existência de diversas variedades de palmas resistentes a essas ameaças, como a exemplo da IPA Sertânia (gênero Nopalea), orelha de elefante africana e orelha de elefante mexicana (gênero Opuntia). “As outras pragas podem ser controladas com produtos existentes no mercado, a exemplo da cochonilha-de-escama que comumente ataca os cactos de um modo geral”, aponta.
Em razão dos avanços tecnológicos e da constatação dos benefícios trazidos pela espécie, Portela considera que o uso da palma na dieta alimentar poderia ser expandido. Mas, para isso, assinala que seria necessário formular e implementar políticas públicas que estimulassem o plantio da cactácea, com assistência técnica e a difusão didática de informações que esclarecessem as principais vantagens e desvantagens dessa escolha.
De todo modo, mesmo na falta de políticas públicas que atendam às demandas mais específicas e urgentes dos produtores, o setor tem conseguido ampliar sua produtividade, com a adoção de sistemas de trabalho pertinentes a sua realidade e que respondem com eficácia às necessidades do contexto no qual estão inseridos.
“Hoje preconizamos dois anos após o plantio para o corte, desde que seja seguido o manejo adequado para esta cultura, isso no sequeiro, ou seja 340 toneladas/hectare. Quando se tem condições de fazer gotejamento, consegue-se em um ano 550 tonelas/hectare”, dimensiona Portela.
Nessa mesma linha, Lima Neto também avalia que a palma pode ser uma opção economicamente mais atraente.
“Se levarmos em consideração a realidade das regiões áridas e semiáridas e os preços atuais do milho e da soja, que são alimentos concentrados, certamente será mais barato o uso da palma forrageira”, compara.
O especialista explica que várias pesquisas e estudos vêm sendo desenvolvidos com o objetivo de entender mais detalhadamente essa aptidão fisiológica da cactácea às áreas áridas e semiáridas nordestinas e a sua relevância como alimento volumoso do gado. A expectativa é de que esse conhecimento técnico, aliado à sabedoria dos costumes locais, potencialize os benefícios já conhecidos e identifique outros.
De forma resumida, Lima Neto explica uma das principais virtudes da palma, que é sua capacidade de reter líquidos. Segundo o técnico, a planta faz parte do ciclo conhecido como CAM. Essas espécies abrem seus estômatos à noite e realizam a fotossíntese durante o dia com seus estômatos fechados, potencializando o uso da água. De acordo com o analista da Embrapa, essa característica é ainda mais potencializada quando a planta é irrigada, com apenas 5 litros de água/metro linear, a cada 15 dias.
“Atualmente vêm sendo desenvolvidas várias pesquisas nesta linha para se avaliar a resposta da cultura com diferentes turnos de regra e com uso de adubação química, onde têm-se conseguido produtividades em torno de 700 a 800 toneladas de massa verde/ha/ano, e em torno de 70 a 80 toneladas de matéria seca/ha/ano”, analisa Lima Neto para quem o futuro da produção da palma forrageira parece indicar para fronteiras mais amplas no curto e médio prazos.