Por Hyberville Neto – consultor e diretor da HN AGRO
O mercado não é feito de uma variável, mas se fôssemos buscar um “culpado” pela precificação do boi gordo este ano, a oferta seria o destaque de 2023.
É o tal do ciclo pecuário, que tem derrubado preços por aqui e elevado as cotações nos Estados Unidos. O país deve terminar 2023 com o menor rebanho bovino da série histórica do USDA (iniciada em 1960).
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Voltando ao Brasil, o que temos observado é um acréscimo das vendas de fêmeas desde 2022, com consequente aumento da produção de carne.
Considerando dados preliminares de abates sob inspeção federal (SIF), houve acréscimo de 8,9% na quantidade de bovinos abatidos no primeiro semestre, na comparação com o mesmo intervalo de 2022. Como estamos em um ano de maior abate de fêmeas, o peso médio geral de carcaça diminui (pela maior participação de fêmeas, mais leves), com isso, o aumento da oferta de carne é um pouco menor que o aumento dos abates.
Paralelamente, tivemos no primeiro semestre uma redução de 5,1% no volume de carne bovina exportada, considerando a carne in natura.
Em uma estimativa direta, considerando apenas exportações de carne bovina in natura e produção formal de carne bovina (SIM, SIE, SIF), estimada com base nos dados do SIF, tivemos uma produção de carne 8,2% maior que no primeiro semestre de 2022, com recuo de 5,1% nas exportações, o que resultou em uma disponibilidade interna (produção formal- exportações) de 2,97 milhões de toneladas, aumento de 14,4% na comparação com 2022.
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Cabe a ressalva de uma disponibilidade interna “mais detalhada” teria as importações e as exportações de carnes industrializadas e salgadas. Aqui focamos nos grandes números, que definem a tendência de consumo doméstico, que é o objetivo do cálculo dessa disponibilidade.
Veja na figura 1 a evolução da disponibilidade interna citada e as variações em relação aos meses anteriores e os mesmos meses de 2022.
Com mais fêmeas para o gancho e maior produção de carne, os preços cedem e essa carne adicional acaba sendo escoada.
Em outras palavras, não temos observado uma demanda ávida e capitalizada, tanto que os preços no varejo precisaram ceder para escoar o volume maior, mas o consumo efetivo aumentou. Considerando os últimos doze meses até junho, a disponibilidade interna per capita aumentou 7,4% na comparação com os doze meses terminados em junho de 2022.
Exemplificando os preços, em doze meses, observamos queda de 22% para o boi gordo, de 17% para a carcaça no atacado e de 8% na média dos cortes bovinos no varejo, considerando dados do Cepea e IBGE. Perceba que a queda menos expressiva no varejo reflete a melhoria de margem do elo.
Outro ponto importante tem sido a competição com a carne de frango, que tem trabalhado em queda e competitiva frente à carne bovina, mesmo com os recuos também desta última. Na média de julho, o preço de um quilo de dianteiro no atacado paulista equivalia a 2,6 quilos de frango congelado, a pior relação desde março de 2022.
Apesar de o frango congelado no atacado estar no pior preço nominal desde outubro de 2020, considerando as médias mensais, a relação de troca com o milho está interessante. Desde janeiro de 2020, a relação de julho de 2023 é a terceira melhor, perdendo apenas para maio e junho recentes. Comparando o milho com a carne exportada, a conta também está historicamente atrativa às integradoras.
Considerações
A pressão vinda das cotações do frango é um ponto importante e deve ser monitorada. Como as relações de troca seguem atrativas à cadeia da proteína, não é esperado um ajuste de produção relevante, mesmo com o frango em baixa.
No entanto, podemos afirmar que o consumo (para o nível de preços atuais) está absorvendo a oferta maior de carne. A margem de comercialização da indústria de mercado doméstico, considerando a relação entre o preço da carcaça e o boi gordo, ficou em 3,5% em julho (receita com carcaça superando em 3,5% o preço do boi), frente a uma média de -0,5% nos últimos 24 meses (apenas a carcaça paga 99,5% do boi, nessa média). Houve diminuição em relação a junho, mas essa segue historicamente interessante.
Outro ponto de atenção está na evolução do câmbio, frente a dados da economia dos EUA e a evolução da nossa taxa de juros. Mesmo com as quedas do dólar frente ao real, a arroba brasileira está atrativa em dólares, com isso um volume interessante de gado deve seguir demandado para esse fim. Cabe lembrar que o USDA atualizou positivamente as projeções para exportações brasileiras de carne bovina agora em julho, com expectativa de crescimento de mais de 5,0% frente ao recorde de 2022.
Outra variável é a oferta de gado confinado, quanto ao volume que efetivamente chegará ao mercado nesse segundo semestre e distribuição dessas vendas.
Não esperamos que a oferta de gado não encolha no segundo semestre, a ponto de gerar altas fortes para o boi gordo, mas um confinamento mais tímido, associado a um consumo doméstico absorvendo (com preço menor, mas está) e exportações tipicamente melhores, podem dar espaço para preços um pouco melhores para o boi.
Você gostou desta coluna? Tem alguma sugestão ou informação nova? Por favor, me escreva no e-mail hyberville@hnagro.com.br.
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