Por Renato Villela
Representantes da indústria frigorífica, curtume e redes varejistas reuniram-se terça-feira (11/06), no auditório do SENAI, na unidade do Bom Retiro, em São Paulo (SP), para debater a sustentabilidade nos sistemas de produção animal, bem como sua percepção por parte dos consumidores, cada vez mais interessados em saber como os animais são criados.
O evento foi organizado pela startup Produtor do Bem, certificadora que atesta as boas práticas de produção e bem-estar animal para as diferentes cadeias de proteína animal, como bovinos, suínos, frangos de corte e galinhas de postura.
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Anfitrião do encontro, José Ciocca, diretor executivo da Produtor do Bem, entende que o bem-estar animal deve ser tratado como um indicador de sustentabilidade. Para o executivo, é sempre atrativo para o produtor a ideia de poder agregar valor às boas práticas de produção, mas é preciso um olhar mais holístico para enxergar outras possibilidades além de um eventual sobrepreço.
“Não é somente adicionar valor ao produto, mas como o bem-estar animal pode ser um atributo competitivo em termos de mercado”, afirmou.
Para Andrea Moura, coordenadora geral de sustentabilidade e regulação do Ministério da Agricultura e Pecuária (Mapa), as boas práticas de produção tendem a estar cada vez mais na mesa de negociações entre os países.
“Estamos na terceira fase das barreiras comerciais. A primeira foi a de cotas e tarifas, depois vieram as questões sanitárias. Hoje é a sustentabilidade”, afirmou.
Segundo a coordenadora, a pasta tem feito a revisão dos marcos regulatórios, em especial no que tange o bem-estar animal. “Temos que acompanhar esses movimentos internacionais antes que a não adoção de boas práticas se torne uma barreira não tarifária”, alertou.
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Na visão da dirigente, não há outra possibilidade a não ser produzir com sustentabilidade. “É um caminho sem volta”, disse. A opinião é corroborada por sua xará Andrea Pradilla, diretora da Global Reporting Initiative (GRI) para a América do Sul. “Tratar a sustentabilidade como algo voluntário está com os dias contados. É um quesito que se tornou obrigatório e já faz parte das estratégias das empresas no mundo todo”, afirmou.
Com sede em Amsterdam, Holanda, a instituição é responsável por elaborar o reputado Relatório GRI, documento voltado ao gerenciamento e comunicação de ações, resultados e indicadores socioambientais e econômicos. Uma espécie de farol para as empresas na direção da sustentabilidade.
Segundo Andrea, 3.500 pequenas empresas na América Latina utilizam os relatórios GRI para avaliar e melhorar suas condutas no campo da sustentabilidade. Os executivos já se deram conta de que seguir padrões socioambientais é um ativo importante para receber investimentos.
“O total de 97% das empresas que operam na bolsa na América Latina seguem as normas GRI”, apontou. A executiva informa que o bem-estar animal foi incluído no relatório recentemente, como indicador de sustentabilidade.
Para Andrea, o exercício das boas práticas de produção deve ser feito diariamente, pois não é algo que já esteja pronto. “A sustentabilidade é uma jornada, não necessariamente um destino. Simplesmente, segue evoluindo”.
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Questão de princípio – Tão importante quanto a adoção de práticas sustentáveis é informar o consumidor de que o produto que ele está levando para casa segue estas normas em seu sistema de produção.
E não se engane. Há uma demanda crescente por informações do que acontece dentro da fazenda. “Sete de cada dez cidadãos europeus querem saber em que condições os animais foram criados”, disse Andrea Gavinelli, chefe da unidade bem-estar animal da Comissão Europeia. De acordo com o dirigente, praticamente todos os europeus querem comprar produtos de empresas onde estas informações estejam nas embalagens, de forma certificada.
No Brasil, o exemplo que melhor elucida esta tendência vem da cadeia de aves de postura. De acordo com Renata Amaral, gerente de sustentabilidade e investimento social do Grupo Pão de Açúcar (GPA), 64% dos ovos vendidos nos supermercados Pão de Açúcar são oriundos de galinhas livres de gaiolas, informação que está estampada nas embalagens.
“O consumidor opta por este produto, mas é claro que a escolha também está atrelada ao maior poder aquisitivo. Na Rede Extra, voltada para o público C e D, o resultado não é tão expressivo”, disse.
De acordo com Renata, até 2025 o Pão de Açúcar assumiu o compromisso de que todos os ovos vendidos por suas marcas próprias (Qualitá e Taeq) sejam de galinhas livres de gaiolas. Para as demais marcas, a meta é 2028.
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Na opinião de Lúcio Vicente, diretor geral do Instituto Akatu, organização não governamental sem fins lucrativos, que busca o engajamento de pessoas e empresas para o consumo sustentável de bens e serviços, o bem-estar animal tem se mostrado uma tendência, razão pela qual os produtores devem estar atentos. “A gente não pode menosprezar tendências. Mudar tem um preço, mas a adaptação, mais à frente, pode custar muito mais caro”, alertou.
Referência em bem-estar animal, o professor Mateus Paranhos, do Grupo de Estudos e Pesquisas em Etologia e Ecologia Animal (Etco), da Unesp de Jaboticabal (SP), afirma que não faltam razões para o produtor aderir às boas práticas.
Da redução de perdas econômicas à conquista de novos mercados. O principal motivo, no entanto, é reconhecer que os animais são seres sencientes, ou seja, capazes de sentir (dor, angústia, alegria etc). “É muito mais fácil adotar boas práticas quando se tem o bem-estar animal como princípio, mais do que apenas atender a uma demanda do cliente”, afirmou.
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