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No dia 4 de junho de 2015, o pecuarista e administrador de empresas Rogério Goulart apresentou, para convidados, o projeto piloto de um confinamento com automação de trato e capacidade para terminar 80 animais por giro (de 130 dias). Anunciou que sua meta era, num período de até sete anos, aumentar em até cinco vezes a capacidade de engorda.
Não chegou a tanto, mas conseguiu triplicar aquele número. Foi o que constatou a reportagem de DBO, que em julho passado voltou até a sua propriedade, a Fazenda São João, em Caarapó (próxima a Dourados, sul do Mato Grosso do Sul). Seu projeto abriga atualmente pelo menos 250 animais em cada giro (de 90 a 100 dias cada), confinando seguidamente (com eventuais intervalos apenas para manutenção da estrutura, enquanto se aguarda a entrada de novo lote), permitindo o abate de aproximadamente 1.000 animais/ano. Outros 1.000 bois são finalizados em terminação intensiva a pasto (TIP).
“O modelo se mostrou eficiente; está consolidado”, avalia Goulart, que projeta, agora, para os próximos 10 anos, seguir em ampliação até que o conjunto de estruturas com automação de trato atinja a capacidade de terminação de 16.000 animais/ano. Para isso, já terminou as obras de terraplanagem de uma segunda unidade de confinamento, também com trato automatizado, e com o dobro de capacidade do módulo inicial (25 metros de linha de cocho em cada lado e ocupação estática para até 500 animais).
“É óbvio que terei de alugar pasto e ajustar outros pontos da propriedade. Toda uma infraestrutura terá de acompanhar para dar suporte, mas está tudo planejado”, garante.
Para conseguir esse salto, Goulart certamente apostará muito nas possibilidades que a Internet das Coisas (IoT) trará para o campo. Para multiplicar por oito a quantidade de animais terminados, além de construir novos módulos de confinamento, o pecuarista pretende também aumentar a lotação média nos pastos (de 3 para 5 UA/ha), erguer uma nova fábrica de ração totalmente automatizada, levar a automação também para os pastos (de recria e TIP) e construir um “minirrodoanel” com acesso livre para transporte de insumos e animais.
Goulart enxerga muitas vantagens em seu modelo, sobretudo na redução da demanda operacional e no enxugamento de estrutura e de espaço para se confinar: “O modelo convencional exigiria de quatro a seis tratos diários e envolveria uma estrutura que incluiria trator grande, pá carregadeira, combustível, funcionários, manutenção (do trator e do distribuidor de ração), além de trabalho diário, incluindo sábados, domingos e feriados. Na São João tenho apenas de repor a ração no silo semanalmente. Aqui, 100 animais comem em espaço curtíssimo. O confinamento tradicional me exigiria um campo de futebol”.
O confinamento da Fazenda São João é todo automatizado, ou seja, não existe necessidade de escala diária de funcionários para trato, não há leitura de cocho e o animal come sozinho 24 horas por dia contando, inclusive, com iluminação noturna. O modelo de funcionamento segue o projeto piloto: um silo com capacidade para armazenar 20 toneladas de ração (com intervalos mínimos de reposição de cinco dias) provisiona colunas ocas, dentro de um muro de três metros de altura, que abastecem duas linhas de cocho (uma em cada lado do muro, em sua base). A movimentação da ração dentro do sistema é ativada por sensores. Em 2015 este muro tinha um comprimento de cinco metros, suficiente para atender 80 animais por giro. O confinamento tem cobertura que se estende por pouco mais de três metros em cada lado.
Em sete anos, alguns ajustes foram feitos. A largura do muro aumentou para 13 metros, elevando a capacidade estática para pouco mais de 250 animais. O piso emborrachado (à base de recortes de pneus usados) foi abandonado, uma vez que a movimentação de animais deixava ondulações cada vez maiores. Em seu lugar, nos dois lados do muro, Goulart optou por um piso de concreto, implantado em 20 metros a partir dos cochos. Os trechos de paredes de pneus (que funcionavam como tapumes) cederam lugar para cercas elétricas.
“Os animais estavam usando os pneus para se coçar e isso complicava o trabalho operacional, pois as peças se soltavam e exigiam constante manutenção”, justifica. No campo, uma parede de pneus permanece separando piquetes de transição (para o confinamento).
Mais dois ajustes foram feitos para evitar que chuvas molhem a ração no cocho ou alaguem alguma parte do sistema. A cobertura do módulo de confinamento foi estendida lateralmente em mais três metros e recebeu uma estrutura de calhas para conduzir o escoamento da água para fora do espaço ocupado pelos animais.
A pecuária de recria e terminação de bovinos na Fazenda São João trabalha com animais de compra. Goulart prioriza machos inteiros que, dependendo das condições em que chegam, entram direto para terminação em confinamento, TIP ou são alojados em pastos (MG5, Marandu e Mombaça) de recria. “Dificilmente, ficam mais do que sete meses na fazenda”, observa, sempre enfatizando que ele é um produtor de commodity, ou seja, vende pelo preço que pagam os frigoríficos, sem preocupação com bonificações.
A fazenda trabalha com um protocolo nutricional padrão. Na recria (animais até 400 kg), além do pasto, os bovinos recebem uma suplementação (30,5% de milho + 7,5% de ureia + 25% de sal branco + 30% de torta de algodão + 7% de núcleo) equivalente a 0,2% do peso vivo (pv). Na preparação para confinamento ou TIP, animais (de 400 a 450 kg) permanecem no pasto com a mesma dieta, só que em quantidade equivalente a 0,5% do pv.
Os animais com peso entre 450 e 500 kg permanecem com acesso ao pasto e entram na dieta de adaptação (já considerada como dias de confinamento), recebendo uma ração (80% de milho moído + 16,8% de torta de algodão + 3,2% de núcleo) em quantidade escalonada ao longo de 21 dias, variando de 4,8 kg/dia no primeiro dia até 8 kg/dia no 21º dia. Após este período, a alimentação passa a ser exclusivamente no cocho. Para atender a este protocolo a fazenda faz a reclassificação do rebanho interno a cada três meses, após pesagem.
Em 2015, o custo da estrutura piloto foi de R$ 13.000; hoje, Goulart prefere não tornar público dados sobre as propriedades da família, tamanho de cada uma e investimento já feito e que pretende fazer no processo de automação na Fazenda São João. “O que posso dizer é que o custo desse segundo módulo será equivalente ao lucro dos dois primeiros giros de gado na estrutura”, simplifica.
Como sua fazenda está numa região predominantemente agrícola, Goulart exige da sua pecuária retorno semelhante ao que normalmente se obtém com a soja. Segundo ele, nos últimos anos o resultado operacional vem crescendo e cumprindo este papel. Em 2021, garante que “quase” fechou com impressionantes R$ 7.000/ha. Em 2022, prevê superar a casa de R$ 8.000/ha/ano, com margem na engorda na casa de 58%.
Ele não esconde que sua experiência de mais de 10 anos de trabalho no mercado financeiro o ajudaram a engordar as contas. “Utilizo toda a estrutura de mercado futuro em benefício da minha pecuária”, enfatiza.
Sua expertise não demorou a chamar a atenção de muita gente dentro da cadeia produtiva de carne bovina, o que o levou a montar, em 2015, o curso “Gestão de Fazendas”, que acontece dentro da própria São João e que neste agosto atinge a marca de 32 edições. “É uma imersão no assunto. Das 6 às 19 horas, durante três dias, mostro como fazer curva de preços futuros e ensino, dentre outras coisas, a criar preço baseado no ciclo pecuário. A pessoa recebe capacitação para analisar o mercado da mesma forma que o faz um frigorífico”, exemplifica. A iniciativa virou nova fonte de renda na propriedade – que em julho estava em obras para hospedar até 12 alunos. O curso custa R$ 7.500.
Há quase uma década, após se envolver em um programa de produção de carne de qualidade de gado de cruzamento industrial, o médico veterinário e consultor técnico Ademir Alves Ribeiro, viu a demanda por comida no cocho aumentar e se debruçou no desenvolvimento de um projeto de automação de trato para aliviar o operacional nas fazendas. Hoje, seu sistema é oferecido para pecuaristas no norte do País pela Empresa Supremax, sediada em Ariquemes, RO. “Atualmente, nosso modelo atende confinamentos que, juntos, terminam perto de 4.000 animais/ano”, garante.
Seu sistema funciona a partir de um silo cônico de fluxo rápido instalado ao lado do confinamento. Nele é armazenada a ração, exigindo reposição em intervalos entre 15 e 30 dias. Dali, a mistura sai pela parte cônica do silo através de um mecanismo com rosca helicoidal movimentado por um motor elétrico (para rede de 110 w, colocado na parte oposta à do silo), cai em dropes (em vermelho, na foto) com capacidade para até 5 kg a partir dos quais um temporizador regula o fluxo até o cocho. Cada conjunto desta estrutura, segundo ele, atende linha de até 100 metros.
Segundo Ribeiro, considerando um modelo com 60 metros de cocho e um silo para até 36 toneladas, o investimento ficaria em torno de R$ 250 mil. “Estimando um abate de 900 animais/ano e um lucro líquido na casa de 2% por boi, o pecuarista pode pagar este investimento em até três anos”, calcula.
De acordo com Ribeiro, modelos estão em funcionamento nas fazendas Lagoa de Cima (Porto Velho), Supremax (Ariquemes) e Federal Burguer (Itapuã do Oeste). Ribeiro garante que a estrutura também consegue funcionar como unidade para automação de trato em recria intensiva a pasto (RIP) e terminação intensiva a pasto (TIP).
Na edição de junho da Revista DBO você pode conferir mais sobre a trajetória e os resultados do confinamento durante os 60 anos em que a atividade é feita na pecuária brasileira.
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