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Preços da arroba “derretem”

Virada do ciclo mostra toda sua força com a derrocada dos preços da arroba e reposição

Por Denis Cardoso

O mercado brasileiro do boi gordo mostrou, em abril último, o tamanho da força desta nova fase de baixa do ciclo pecuário, que ganha intensidade na esteira do aumento de oferta de animais terminados a pasto – a tradicional desova de fim de safra, quando o capim começa a ser castigado pela falta de chuva –, além do forte avanço do movimento de descarte de fêmeas (consequência das acentuadas quedas nos preços do bezerro e demais categorias de reposição).

Yago Travagini, economista da consultoria Agrifatto, de São Paulo, cita dados do Instituto de Defesa Agropecuária do Mato Grosso (Indea-MT) onde se observa que a participação de vacas no abate total do Estado – um dos mais importantes na atividade de cria – atingiu 54%. “É um dos maiores percentuais dos últimos dez anos”, afirma.

Somente no último mês, o valor do boi gordo caiu quase R$ 25/@ (ou 10%) em São Paulo, saindo de R$ 295/@, no fim de março, para R$ 271/@, no último dia útil de abril, de acordo com dados do Centro de Estudos Avançados em Economia Aplicada (Cepea), de Piracicaba, SP.

No mercado futuro, o comportamento da arroba também segue assustando os pecuaristas que acompanham semanalmente o movimento da B3. No fim de abril, os vencimentos de curtíssimo prazo (maio/junho de 2023) oscilavam entre R$ 264/@ e R$ 266/@, bem abaixo dos patamares apontados no início de março para os mesmos contratos (R$ 286/287/@) – uma desvalorização acima de R$ 20/@.

Por sua vez, no fim de abril, os papeis para outubro/23, pico da entressafra, indicavam um boi gordo abaixo dos R$ 280/@, longe dos mais R$ 300/@ apontados em meses imediatamente anteriores.

O zootecnista Douglas Coelho, sócio da Radar Investimentos, com escritório na capital paulista, diz que, mesmo com “a rápida resolução” do caso atípico de “vaca louca” por parte da China, os preços do boi gordo derreteram a partir de então, sobretudo no mercado futuro. “Desde meados de fevereiro, a cotação do boi gordo na B3 recuou R$ 53/@”, afirma ele, acrescentando: “Foi um movimento rápido e forte”. O embargo chinês à proteína brasileira foi encerrado em 23 de março, um mês após a notícia do surgimento do caso atípico de EEB (encefalopatia espongiforme bovina) no Pará.

Segundo Coelho, diante da derrocada nas cotações da arroba, parte dos pecuaristas tem tentado comprar seguro de preços mínimos (hedge) na Bolsa. Porém, para o consultor, a enorme volatilidade do mercado inviabiliza a compra do seguro com custos atrativos. “Seria como comprar um cadeado depois de o ladrão ter entrado na casa”, compara.

O retorno da China ao mercado comprador de carne bovina brasileira frustrou as expectativas de muita gente, que esperava uma retomada mais acelerada dos embarques ao país asiático e, assim, uma certa trégua no movimento de baixa nos preços internos do boi gordo. Porém, em abril, as vendas externas da proteína bovina in natura alcançaram 110.300 toneladas, com média diária de 6.100 toneladas, queda de 26% em comparação com a média diária de abril/22.

Para Lygia Pimentel, CEO da consultoria Agrifatto, a volta da China ao mercado não faz “milagre”: “Estamos no ciclo de baixa”, sentencia.

Ágio desaparece

Além da queda da arroba do animal macho “comum” (direcionado, em sua maior parte, ao mercado interno), em algumas regiões brasileiras, o prêmio pago ao “boi-China” (tipo-exportação, abatido com no máximo 30 meses de idade) praticamente desapareceu. “O ágio minguou”, reforça o zootecnista Felipe Fabbri, analista da Scot Consultoria, de Bebedouro, SP.

Nas praças do interior paulista, por exemplo, o boi abatido conforme as exigências chinesas estava valendo R$ 270/@ no fim de abril, apenas R$ 3/@ acima da cotação do animal “comum”, segundo dados apurados pela Scot.

“O preço, em dólares, pago pelo produto brasileiro, segue longe daquele vivido no auge em 2022”, observa Fabbri, que completa: “Soma-se a esse quadro, o dólar abaixo de R$ 5 em boa parte de abril, o que pressionou as margens das indústrias exportadoras e dificultou o escoamento dos estoques de carne acumulados no período do embargo chinês”.

No entanto, continua Fabbri, os dados de abril ainda refletiram a fase “sem China” vivenciada em março e, por isso, a retomada das compras do gigante asiático deve ser mais intensa a partir de maio. Mesmo assim, prevê o analista da Scot, os preços internos do boi gordo tendem a “seguir frouxos no curto e médio prazos”. Lygia, da Agrifatto, também acredita em recuperação das vendas ao mercado chinês, sobretudo a partir do segundo semestre, sazonalmente o período mais “agressivo” dos compradores asiáticos.

Nova estimativa

Em seu relatório mais recente, de abril, o Departamento de Agricultura dos Estados Unidos (USDA) revisou levemente para cima os números referentes à produção e exportação de carne bovina do Brasil em 2023. Pautado pela intensificação no envio de fêmeas para o abate, a oferta brasileira de carne bovina pode crescer 2,1% este ano, em relação ao resultado de 2022, para 10,57 milhões de toneladas.

Por sua vez, os embarques devem aumentar 3,9%, com 3 milhões de toneladas enviadas ao exterior, estimulados pela restrição de oferta de seus principais concorrentes na América do Sul (Argentina e Uruguai) e pelo avanço da demanda chinesa, justificou o USDA.

Além disso, relata o Departamento, a redução na quantidade de carne produzida pelos Estados Unidos (-5,38% no comparativo anual) pode favorecer os frigoríficos brasileiros frente aos demais grandes atores do mercado.

Por outro lado, a expectativa de aumento de 8,7% na produção da proteína bovina da Austrália pode competir diretamente com o Brasil, visto que o país é um importante fornecedor ao mercado chinês.

Poder de compra mais folgado este ano

O cenário de custos da pecuária de corte (reposição e alimentação, como soja e milho) em 2023 deve ser bem mais confortável ante 2022, prevê o zootecnista Felipe Fabbri, da Scot Consultoria. “Cabe, agora, ver até onde os preços no mercado do boi estimularão, ou desestimularão, fechar o gado no cocho”, observa o analista.

Na avaliação de Lygia Pimentel e Laura Rezende, ambas consultoras da Agrifatto, a despeito das quedas nas cotações dos animais terminados, este é o momento ideal para começar a comprar animais de reposição. “Para quem precisa recompor o rebanho e tem reservas financeiras, estamos numa janela de oportunidades, pois o valor do bezerro já caiu quase 35% desde o seus picos de alta (em meados de 2021) e acredito que não há mais tanto espaço para desvalorizações de peso”, afirma Laura.

Lygia é mais categórica em sua recomendação: “A fase de alta (dos preços do boi gordo) está se construindo bem na nossa cara; só não enxerga quem não quer!”, diz ela, que sugere, para quem tem caixa, a aquisição imediata de novilhas e bezerros, visando colher bons frutos lá na frente (dentro de 1,5 a 2 anos, dependendo do tipo de manejo), quando os valores dos animais jovens deverão estar mais elevados, refletindo a baixa oferta dessas categorias.

Segundo dados do Cepea, o indicador Bezerro (Nelore, com idade entre 8 e 12 meses, base Mato Grosso do Sul) iniciou maio cotado em R$ 2.343/cabeça, o que representou desvalorização de 5% em 30 dias, e queda de 13% em relação ao valor registrado em igual período de 2022.

Milho em queda livre

Os preços do principal insumo das rações bovinas caíram fortemente nas principais regiões do País, voltando a operar nos patamares nominais observados em 2020. Em Campinas (SP), o Indicador Esalq/BM&FBovespa registrou queda diária consecutiva em todo mês de abril, informa o Cepea. Fechou o mês em R$ 65/saca de 60 kg, com desvalorização de 21% sobre o valor final de março/23 (R$ 82/saca).

Tal movimento, justifica o Cepea, é resultado do aumento da disponibilidade doméstica do cereal. Além disso, os compradores estão afastados das aquisições, à espera de novas desvalorizações do cereal, fundamentados na possível colheita recorde na segunda safra brasileira deste ano – atualmente, a produção é estimada pela Conab em 95,32 milhões de toneladas, com avanço de 11% sobre a colheita de 2022.

Com isso, na opinião dos analistas do Cepea, as desvalorizações do milho e do boi magro nos primeiros meses de 2023 vêm gerando certa expectativa positiva para os pecuaristas que realizam a terminação do animal para abate em confinamento.

No mês passado, a relação de troca entre milho e boi gordo no Mato Grosso ficou em 4,68 sacas por arroba, em média, o maior patamar para o mês de abril desde 2020, segundo cálculos do Instituto Mato-Grossense de Economia Agropecuária (Imea). O resultado, acrescenta o instituto, ficou 8,6% acima da média dos últimos três anos. “Esse aumento na relação de troca é uma boa oportunidade para o melhoria das margens dos pecuaristas do Mato Grosso”, afirmam os consultores do Imea.

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