Analistas esperam algum alento para a cotação da arroba neste fim de ano, mas sem ‘emoções’
A maior diferença entre os valores máximo e mínimo atingidos pela arroba nos últimos ciclos de baixa da pecuária de corte: 37%, ante uma queda histórica em torno dos 25%. Foi o que constatou o economista Yago Travagini, da consultoria Agrifatto, com escritório na capital paulista, ao comparar a queda de um patamar de 338/@ (valor deflacionado), apurado em novembro de 2020, para R$ 212/@ alcançado em setembro de 2023.
“Com certeza, 2023 será marcado como um dos piores anos na histórica da pecuária brasileira”, sentencia o analista, que não vê possibilidade de recuperação nos dois meses que faltam para o encerramento do ano, ainda que novembro seja o mês que concentra a maior quantidade de máximas nos preços da arroba: nos últimos 25 anos, em 13 deles, os picos ocorreram durante novembro (oito vezes) e dezembro (cinco vezes), relata o analista.
A visão do analista é corroborada pelo que apontava o mercado futuro do boi gordo (posição na B3) em 31 de outubro: preço de boi gordo “acomodado” nos dois meses finais do ano: R$ 235/@ e R$ 237/@, respectivamente, praticamente o mesmo valor apurado no mercado físico em igual período (veja tabela).
A avaliação do zootecnista Felipe Fabbri, analista da Scot Consultoria (com sede em Bebedouro, SP) vai na mesma direção: no início de novembro, o mercado parecia ter encontrado “seu ponto de equilíbrio”, com as ofertas de compra (em praças paulistas) entre R$ 235/@ para o boi “comum” (direcionado ao mercado doméstico, sem prêmio-exportação) e R$ 240/@ para o “boi-China” (abatido mais jovem, com até 30 meses de idade). “Novembro e dezembro são meses que, historicamente, trazem firmeza à cotação do boi gordo, mas, desta vez, não esperamos máximas dentro do ano”, ecoa Fabbri.
Para ele, no curto prazo, a oferta de boiadas gordas poder ser menor, num momento de maior demanda por carne bovina, principalmente pelo mercado doméstico. “Que não nos gere estranheza se altas pontuais ocorrerem em curto prazo, mas, o que mercado futuro tem indicado, é que o atual patamar de preços (do boi gordo) persista ao menos até o começo de 2024”, prevê o analista da Scot.
Douglas Coelho, sócio da Radar Investimentos, com escritório em São Paulo, constata que o mercado físico do boi gordo finalizou outubro “menos eufórico do que iniciou”. “O avanço gradativo das escalas de abate, a partir de meados do mês, foi um dos principais pontos para se reduzir a competição pela matéria-prima (boi gordo)”, observa.
Na visão do analista, os últimos dados relacionados ao quadro macroeconômico do País mostram uma inflação “mais comportada”, além “da criação de mais vagas de trabalho” (redução na taxa de desemprego). “Esses fatores podem alavancar o consumo de carne bovina em relação aos últimos dois anos, impactados pelos efeitos de Covid-19”, acredita.
Sinal de alerta
Além do “fator demanda”, o sócio da Radar Investimento destaca outro ponto de atenção em relação ao comportamento do mercado nos dois últimos meses do ano, e início de 2024. Trata-se dos efeitos causados pelo El Niño (aquecimento das águas do Oceano Pacífico equatorial) “As influências do El Niño assolaram alguns Estados com a falta de precipitações, como Rondônia, Tocantins e regiões do centro e norte de Goiás. Por outro lado, em São Paulo, Paraná e algumas regiões de Minas Gerais, a frequência e o volume das chuvas ficaram acima do normal”, compara Coelho.
Segundo ele, alguns pontos da região Sul do País foram altamente prejudicados pela quantidade excessiva de chuvas. “De acordo com modelos climáticos, esses efeitos podem permanecer até março de 2024”, ressalta ele. Os reflexos das mudanças climáticas atrapalharam a retenção de animais nos cochos, o que colaborou para o aumento gradativo das escalas de abate dos frigoríficos nas últimas semanas de outubro. No entanto, pondera Coelho, caso o bom regime de chuvas continue, a boiada de pasto “pode dar as caras” mais cedo.
Mercado de reposição
Acompanhando a melhora que ocorreu no mercado do boi gordo nas primeiras semanas de outubro, os preços das categorias de reposição tiveram variações positivas na comparação mensal, informa a analista Nicole Santos, da Scot Consultoria. Na média de outubro/23, em São Paulo, as variações para bezerro de desmama, garrote, boi magro e novilha foram positivas em 6%, 4,6%, 4,2% e 4,8%, respectivamente, em relação aos preços de setembro (veja tabela).
No entanto, continua Nicole, as negociações no mercado de reposição seguem estagnadas em boa parte das praças brasileiras, com a ponta vendedora pedindo mais pelas categorias mais jovens, mas sem uma resposta consistente vindo da outra ponta. “Como o momento do ciclo pecuário ainda é de baixa nos preços, há um desestímulo pela cria/recria”, afirma a analista.
Além disso, diz ela, com os pastos ainda secos em boa parte do Centro-Norte brasileiro, o ímpeto comprador reduziu ainda mais. No entanto, entre novembro e dezembro, as expectativas são de melhoria nos volumes de chuvas, ao menos para o Norte, Centro-Oeste, Sudeste e Sul, com a safra de capim devendo iniciar a partir de dezembro. “Apesar da melhora nos preços dos animais jovens, eles ainda estão historicamente baixos, sendo, portanto, um bom momento para investir em bovinos para a reposição do rebanho”, sugere Nicole.
Exportações: 2024 aquecido, com China puxando o bonde
Em outubro último, o Brasil exportou 186.200 toneladas de carne bovina in natura, com média diária de 8.860 toneladas, 10% menos do que a média obtida em outubro/22, que foi recorde para o mês, informou a Scot, com base em dados da Secretaria de Comércio Exterior (Secex).
Para o analista Felipe Fabbri, em termos de quantidade, o setor de exportação segue registrando “bons desempenhos” ao longo deste segundo semestre de 2023.
No mês passado, o Departamento de Agricultura dos Estados Unidos (USDA, na sigla em inglês) divulgou o seu novo relatório sobre o mercado global de carne bovina, trazendo perspectivas positivas para o mercado brasileiro em 2024.
No próximo ano, os embarques brasileiros da proteína podem atingir 2,850 milhões de toneladas, com aumento de 3,6% sobre o resultado previsto pelo USDA para 2023 (2,750 milhões de toneladas).
No mesmo relatório, as projeções apontam para importações chinesas de carne bovina em torno de 3,5 milhões de toneladas em 2024, um pouco abaixo do resultado estimado para este ano (3,6 milhões de toneladas), mas bem acima da média dos últimos anos. “O próximo ano deve ser de continuidade do nível de compras pela China dos últimos anos”, ressalta Fabbri.
Segundo o USDA, as exportações globais de carne bovina devem crescer 1% em 2024, para 11,9 milhões de toneladas, puxadas pelos avanços das vendas do Brasil, Austrália e Argentina, desempenhos que mais compensarão os menores embarques dos Estados Unidos, Canadá e da União Europeia. “Brasil e Austrália, os dois principais exportadores mundiais, irão elevar as participações no mercado global, especialmente em países como os Estados Unidos, onde a produção de carne bovina sofrerá redução”, relata o departamento.
Pelas projeções de USDA, afetados pela seca prolongada que reduziu drasticamente o rebanho de bovinos, os EUA irão produzir 11,520 milhões de toneladas da proteína bovina no próximo ano, uma queda de 6,2 sobre o volume estimado para 2023 (12,291 milhões de toneladas). Por sua vez, estima o USDA, a produção brasileira de carne bovina deve subir 2,6%, para 10,835 milhões de toneladas no próximo ano, ante a previsão de 10,560 milhões de toneladas para 2023.