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O que a ciência não fala sobre o manejo ultradenso

Por Aline Kehrle e Marcos Spinella – Proprietários da Agropecuária Kehrle e adeptos do Manejo Ultradenso

Você já se pegou observando um bom pasto e se perguntou o que tinha de diferente naquele manejo? Você já pensou qual seria o motivo daquele pasto estar tão bonito no malhadouro? Agora imagine as pradarias, como sustentam tantos animais? Como podem as plantas sobreviver a tamanho pisoteio? Quem aduba esses pastos?

O biólogo Allan Savory já se fez estas perguntas, e chegou a uma conclusão inovadora. Observando os campos nativos do Zimbábue, e conhecedor dos estudos em manejo rotacionado de André Voisin, Savory esclareceu tais questionamentos. Na natureza, os herbívoros não permanecem muito tempo no mesmo lugar, estão em constante movimento, estercando, urinando e pisoteando intensamente. Além disso, andam bem juntos, em grandes manadas, para se proteger. Savory percebeu que o manejo da natureza é um rotacionado em alta densidade. Ele era um biólogo preocupado com a desertificação da savana africana e lhe faltava a visão produtiva do pecuarista. Aí entra na história o produtor Johann Zietsman, que, em 1995, fez o primeiro piquete usando 1.000 UA por hectare em sua fazenda e desenvolveu o Manejo Ultradenso de Pastagens.

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Para aqueles que nunca ouviram falar da técnica, explicamos: o Ultradenso, como seu próprio nome diz, consiste em usar uma grande densidade de animais em um curto tempo de permanência em cada parcela de pasto, por meio do uso de cerca elétrica móvel. Desde seu início, há aproximadamente 30 anos, a técnica foi desenvolvida dentro de fazendas, por produtores e alguns poucos cientistas corajosos, que se aventuravam em fazer visitas às fazendas pioneiras na técnica. Hoje, com a internet, a difusão desse conhecimento acelerou e conseguimos compartilhar os erros e acertos do Ultradenso rapidamente.

Altura de entrada e saída

E quais são as três dúvidas principais que nos apresentam 10 anos após termos iniciado a prática desta ferramenta regenerativa? Uma delas diz respeito ao uso da altura de saída do pasto. O Sistema Ultradenso usa como guia principal a densidade instantânea de animais no piquete e os outros parâmetros. como a altura de saída são ajustáveis conforme o objetivo do manejo. Isso porque, quando animais são colocados em altas densidades, seu hábito de pastejo muda, eles ficam menos seletivos. Com isso, além de aumentar a eficiência de colheita, altera-se sua cultura alimentar.

Temos observado que bovinos colocados no Sistema Ultradenso aprendem a comer outros tipos de plantas e, inclusive, fazem mais ramoneio, mesmo quando retornam a sistemas menos intensivos. A alta densidade e a diminuição da seletividade permitem maior controle sobre o corte do capim, a colheita se torna mais eficiente e uniforme, podendo chegar a mais de 90% de aproveitamento de pastagem. Já quando temos chuvas muito fortes, ocasiona poluição (terra) nas folhas do capim, e temos de evitar o pastejo muito baixo.

Durante a estiagem, o pastejo pode e deve ser mais baixo. Logo, dentro do Ultradenso, pode-se variar a altura do resíduo conforme a necessidade, deixando uma altura de saída maior, se o objetivo é maximizar ganho de peso, e uma altura menor, se o objetivo é o máximo aproveitamento de forragem. O benefício da estercagem bem distribuída, o pisoteio das plantas não forrageiras, a maior eficiência de colheita, o controle de cigarrinha e outras vantagens, compensam eventuais descansos maiores.

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Produção de forragem e GMD

Em nossa propriedade, as colheitas no Sistema Ultradenso ocorrem a cada 30-35 dias na época chuvosa. Na época seca, o pasto fica em diferimento e, após corte, pode ser pastejado novamente na entrada das águas. Não usamos herbicidas de nenhum tipo há mais de 10 anos e fazemos adubação pontual com adubos minerais. Trabalhos científicos de análise de composição de pastagens após uso do Sistema Ultradenso têm apontado incrementos em espécies leguminosas e diversidade geral de plantas forrageiras. Um estudo feito na África do Sul, pela Universidade de KwaZulu-Natal, mostrou, em apenas dois anos, um aumento de 900% na produção de forragem, se comparado ao manejo tradicional de pastejo contínuo. Além disso, houve um aumento de cobertura do solo na área estudada de 25% a 100%.

Diferentemente do que possa parecer, o rebaixamento intenso e fugaz do capim não predispõe o pasto a um aumento de plantas não forrageiras (invasoras). As plantas que os animais pastejam levam vantagem no crescimento, pois são estimuladas pelo corte e pela saliva dos bovinos. Porém, é necessário que estes sejam retirados da área logo após o pastejo. Já espécies não apreciadas pelos bovinos são pisoteadas por causa da altíssima densidade e ficam em desvantagem.

Outra dúvida frequente diz respeito ao ganho de peso dos animais dentro do sistema. Relatos de propriedades que usam a técnica (Fazenda Ponche Verde, Fazenda Santa Nice, Granja Berimbau, Sítio Busca Vida, dentre outras) vão de 500 até 1000 g/cab/dia, dependendo da categoria animal, da suplementação usada e da qualidade do pasto. Mais do que apenas resultado do uso do Ultradenso, o GMD é fruto da precisão de leitura da quantidade e qualidade de pasto disponível, do acerto no número de mudanças diárias necessárias e da manutenção da densidade elevada, ou seja, mais de 1.000 UA/ha instantâneas. E claro, depende também do plano nutricional adotado pela fazenda, com mais ou menos aporte nutricional via cocho.

Sendo assim, adotar o Ultradenso não é muito diferente do que iniciar um confinamento, onde a formulação da ração e as leituras de sobras de cocho são como a avaliação da qualidade de pasto, dos resíduos e dos animais, e devem ser ajustadas constantemente para se obter bons resultados.

A observação do ambiente e dos animais é parte importante da técnica do Ultradenso para garantir ganhos adequados de peso. Ao final da penúltima troca de piquetes do dia, o pastor busca avaliar três parâmetros nos animais, a fim de garantir o acerto do alvo de desempenho. São eles: preenchimento ruminal, escore do esterco e comportamento do gado. Cálculos acertados de números de piquetes garantem um animal de barriga cheia, escore de fezes adequado e comportamento calmo próximo à última mudança do dia. Essas leituras são de fácil interpretação pelo pastor e guiam eventuais replanejamentos.

Mão de obra

Falando em pastor, vamos à terceira maior dúvida: a mão de obra. A profissão “pastor” é única dentro da fazenda e designa um funcionário responsável por avaliar a qualidade dos pastos e decidir sobre o número/formato de piquetes móveis, a avaliação dos parâmetros nos animais descritos acima, as alterações e a manutenção da cerca elétrica. Esse profissional está em íntimo contato com os animais e somente aciona os vaqueiros caso haja algum problema. Assim, um pastor consegue comandar tranquilamente um lote de milhares de bovinos, garantindo ótimo desempenho animal e forrageiro. Esta profissão ainda não existe na maioria das fazendas, estejam elas adotando Manejo Ultradenso ou não. Uma pena, já que, sabidamente, produzir a pasto é mais barato.

O pastejo Ultradenso vem ganhando muitos adeptos no Brasil, nos últimos anos, pois o produtor que testa raramente volta atrás e esta é a melhor validação que existe.

Aline Kehrle e Marcos Spinella, proprietários da Agropecuária Kehrle e adeptos do Manejo Ultradenso.

Nós, que o usamos diariamente, estamos obtendo resultados excelentes. Por fim, gostaríamos de deixar uma frase que sempre falamos nos nossos cursos: “A pecuária do futuro não é a pecuária dos insumos, mas sim a dos processos”. Não troque processos por insumos!

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