Exportações e consumo em alta e oferta enxuta melhoram expectativa no último trimestre do ano
Por Denis Cardoso
O mercado pecuário encerrou setembro com recuperação nos preços do boi gordo, passando o “bastão da alta” para outubro, que, segundo previsões de analistas, pode repetir a toada positiva do mês passado, quando, em 30 dias, a arroba do animal “comum” (sem prêmio-exportação) subiu 13% nas praças paulistas, chegando a R$ 220/@ (no prazo), enquanto o “boi-China” (abatido com até 30 meses de idade) teve acréscimo 15%, fechando em R$ 230/@, segundo apurou a Scot Consultoria, de Bebedouro (SP).
Na primeira semana de outubro, prazo de fechamento desta edição DBO, as consultorias que acompanham diariamente o setor já reportavam negócios envolvendo lotes terminados destinados ao consumo doméstico com valores acima de 230@ em São Paulo, com prêmio de R$ 10/@ para o animal com padrão-China. O Indicador Cepea (preço à vista, SP) fechou o mês passado em R$ 236,15/@, batendo R$ 238,80/@ em 3 de outubro, o que representou valorização mensal de quase 20%, de acordo com o levantamento do Centro de Estudos Avançados em Economia Aplicada, de Piracicaba (SP).
Na visão dos analistas, desde o último mês, os pecuaristas brasileiros voltaram a “respirar sem ajuda de aparelhos”, depois de amargarem um período de forte turbulência, marcado pela queda vertiginosa da arroba em pleno período de seco (quando tradicionalmente a baixa disponibilidade de “boi de pasto” resulta em elevações mais consistentes nas cotações da arroba).
No entendimento dos consultores, os pecuaristas que ainda têm lotes em mãos estão sendo “salvos” pelo início de uma “entressafra tardia”, ou seja, a partir de setembro de 2023, os frigoríficos brasileiros começaram a sofrer realmente com o esgotamento de ofertas de animais terminados, o que afetou as programações de abate das unidades, forçando o pagamento de preços mais atrativos pelos lotes remanescentes.
Momento oportuno
Nos cálculos da consultoria Agrifatto, com escritório na capital paulista, no início de outubro/23, as escalas de abate das indústrias brasileiras atendiam entre cinco e seis dias, a menor média nacional desde 2021.
Segundo a analista Nicole Santos, da Scot Consultoria, ao longo dos próximos meses de 2022, os pecuaristas devem aproveitar o momento de agonia dos frigoríficos que necessitam com urgência da matéria-prima (boiada gorda) para lançar mão da velha estratégia de retenção dos lotes nas fazendas, à espera de uma recuperação ainda maior nos preços da arroba. Tal estratagema faz sentido, atesta Nicole. “Historicamente, o último trimestre é marcado pela melhoria da demanda (pela carne bovina) nos mercados externo e interno”, explica a analista.
Pelo lado das exportações, como não poderia deixar de ser, a esperança maior é depositada nos importadores da China, que tradicionalmente intensificam as compras de carne bovina brasileira no final do segundo semestre, visando acumular estoques para o período do Ano Novo Lunar, celebrado em fevereiro de 2024. A valorização do dólar, que no início de outubro bateu em R$ 5,15 (maior patamar desde março/23), também pode favorecer os embarques, pois quanto mais alto o valor da moeda norte-americana, maiores serão a receita (em reais) e a competitividade da proteína brasileira no mercado internacional.
Consumo interno
No mercado interno, o esperado aumento do consumo nesta etapa final de 2023 é consequência das comemorações típicas de fim de ano entre familiares e amigos, tradicionalmente envolvendo os indispensáveis cortes de churrasco – com destaque para a carne bovina, disparada na preferência dos brasileiros. O pagamento do décimo terceiro salário, a expectativa de crescimento do Produto Interno Bruto (PIB) e a redução da taxa básica de juros (a Selic) são outros elementos que podem estimular a procura pela proteína vermelha nos próximos meses, destacam os analistas.
Exportações sobem pouco
Em setembro/23, foram exportadas 195.000 t de carne bovina in natura, com média diária de 9.700 toneladas, o que significou um leve aumento de 0,9% frente à média diária de setembro/22, segundo dados da Secretaria de Comércio Exterior (Secex). Comparando-se as quantidades mensais de exportações já computados em 2023, setembro teve o melhor desempenho do ano até agora. Porém, o analista Yago Travagini, da Agrifatto, se diz frustrado com os números.
“Na verdade, o resultado abaixo de 200.000 toneladas decepcionou, pois o forte desempenho da primeira semana de setembro (com média diária de 15.000 toneladas embarcadas) dava esperanças de um recorde histórico nas exportações mensais”, relata Travagini, que, inicialmente, previa vendas entre 220.000 e 230.000 toneladas para o nono mês do ano. Segundo ele, após a primeira semana de setembro/23, os embarques foram perdendo força nas semanas subsequentes, fechando o último período semanal do mês com média diária de 7.250 toneladas.
Em relação aos preços pagos pela tonelada da carne bovina brasileira – outro ponto de preocupação dos exportadores –, setembro manteve a tendência de desvalorização registrada nos últimos meses. O valor médio da tonelada ficou em US$ 4.500, uma queda de 24,4% sobre a cotação média de fevereiro de 2022. “Mesmo com os preços da carne bovina nas mínimas dos últimos dois anos, o Brasil está com dificuldade para ultrapassar a barreira mensal das 200.000 toneladas”, observa Travagini.
Austrália atrapalha
O analista da Agrifatto acredita que a Austrália, hoje o segundo maior exportador mundial de carne bovina, atrás do Brasil, é responsável, em parte, pelo desempenho aquém do esperado para os embarques brasileiros. Hoje, os exportadores do país da Oceania trabalham com o menor preço do boi gordo entre os principais atores do mercado mundial, precificado em US$ 44,10/@ no final do mês passado, ante o valor de US$ 44,69/@ do boi brasileiro (veja tabela com dados da Scot Consultoria).
“Os australianos passaram recentemente por um processo de recuperação de rebanho e agora estão despejando mais carne no mercado internacional, a preços bastante competitivos”, alerta Travagini, acrescentando que tal condição pode interferir negativamente no desempenho dos embarques brasileiros nos meses finais do ano.
Preços futuros
Os contratos futuros do boi gordo, negociados na bolsa paulista B3, também subiram fortemente no mês passado. No final de setembro, os papeis com vencimento em outubro, novembro e dezembro deste ano estavam valendo R$ 240,60/@, R$ 241,95/@ e R$ 242,85/@, respectivamente, um avanço entre R$ 30/@ e R$ 40/@ em relação aos preços dos mesmos contratos apontados no fim de agosto (veja tabela).
No entanto, na opinião de Yago Travagini, o processo de recuperação dos preços futuros chegou tardiamente para os muitos pecuaristas que pretendiam engordar seus lotes em sistemas de cocho, para, assim, tirar proveito das condições de mercado nos períodos mais críticos da entressafra (nos últimos meses do ano). “No momento de tomada de decisão do confinamento, em julho-agosto/23, o contrato com vencimento em outubro/23 chegou a bater R$ 200/@, valor que desestimulou a corrida pela engorda intensiva”, relembra Travagini. Nesse sentindo, continua o analista, não se espera, para os meses finais de 2023, uma expansão de oferta de “animais de cocho”, outro fundamento altista para a arroba bovina.
Poder de compra
Embora as cotações do boi gordo tenham reagido consideravelmente em setembro/23, tal valorização não foi suficiente para melhorar o poder de compra dos pecuaristas invernistas. Tal cenário se deve às baixas mais intensas da arroba frente às registradas para o animal de reposição ao longo de 2023.
Dados mais recentes do Cepea mostraram que, na parcial de setembro (até o dia 26), os pecuaristas precisavam de 9,58@ de boi gordo paulista para comprar um bezerro sul-mato-grossense da raça Nelore, com 8 a 12 meses de idade. Em setembro de 2022, eram necessárias 8,36@ (1,22@ a menos) para o mesmo tipo de negociação. “O momento atual é o mais desfavorável aos terminadores desde outubro de 2021, quando foram necessárias 10,27@ para fazer a mesma troca”, comparam os pesquisadores do Cepea.