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Vai fazer Terminação Intensiva a Pasto?

Confira na reportagem as lições aprendidas nos últimos 20 anos de acompanhamento da TIP pelos pesquisadores da Apta Colina, destacados no 4º BeefDay.

Vista parcial das instalações do BeefDay, com o palco ao centro, cercado por stands de empresas.
Por Renato Villela

Vinte anos atrás, quando começaram as pesquisas com Terminação Intensiva a Pasto (TIP), os produtores ficaram ressabiados, devido à ousadia da proposta: fornecer ração aos animais na pastagem, em quantidade equivalente à do confinamento (2% do peso vivo). Porém, a julgar pelo interesse que essa técnica desperta, como mostrou o 4º BeefDay, realizado dia 14 de agosto, pela Apta de Colina (SP), sua tendência é crescer. Um levantamento da empresa Ponta Agro, especializada em gestão e automação na engorda intensiva, apontou aumento significativo da participação da TIP no total de animais acompanhados pela empresa, que foi de 5% em 2019, para 15% em 2023.

Durante o BeefDay – que recebeu 2.543 inscritos, inclusive estrangeiros (Bolívia, Paraguai e Panamá) –, o pesquisador Flávio Dutra, diretor da unidade, ministrou a palestra “TIP: o que aprendemos em 20 anos”, na qual fez uma breve retrospectiva das pesquisas que impulsionaram a técnica, quebrando paradigmas e pavimentando o caminho para a criação de conceitos como o rendimento do ganho e o Boi 7-7-7. “É difícil expressar a alegria de ver tantos pecuaristas em busca de tecnologia, como a TIP. Para quem nunca adotou, meu conselho é: comece aos poucos, vá aprendendo. A possibilidade de incremento de produtividade é muito grande”, disse Dutra. Veja a seguir algumas das “lições” aprendidas nestes 20 anos de uso da técnica:

Flávio Dutra mostrando as lições aprendidas na TIP para um público atento.

1ª) O que importa é a carcaça – Nos primeiros trabalhos feitos pela Apta-Colina com terminação intensiva a pasto, entre 2008 e 2010, os pesquisadores fizeram uma importante descoberta num dos experimentos: animais engordados na TIP pareciam não deslanchar e apresentavam menor peso vivo final (até 1@ a menos) do que os confinados (mesmo concentrado, com bagaço de cana desempenhando função equivalente ao da pastagem). Entretanto, no gancho, observou-se empate técnico (diferença de 6 kg). O segredo estava no menor tamanho dos órgãos internos (rúmen, vísceras etc) dos animais de TIP. Foi com base nesta “primeira lição” que Flávio Dutra e seu colega, Gustavo Rezende Siqueira, criaram o conceito de “rendimento de ganho” (quanto do peso engordado é efetivamente transformado em carcaça), em substituição ao GMD, menos “confiável” como métrica de desempenho. Esse novo conceito direcionou o foco da terminação para a carcaça, real fonte de renda do produtor.

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2ª) TIP precisa de pasto bom – Outra lição aprendida é que este sistema de engorda demanda forragem em quantidade e qualidade (“pasto silagem boa”), pois ela é o volumoso da dieta. É recomendável vedar previamente a área destinada à engorda. Se o produtor fornecer aos animais um “pasto bagaço”, eles precisarão de mais ração para atingir o peso desejado, o que encarece o sistema. A taxa de lotação também tem efeito semelhante: quanto maior ela é, menor a possibilidade de os animais selecionarem o capim, e maiores os gastos com ração”, explicou Dutra.

3ª) Trabalhe com indicadores – A exemplo do confinamento, a TIP também tem seus indicadores. Um deles serve de farol para os adeptos da técnica: é a quantidade de ração gasta para se produzir 1@. Esse indicador mostra se a conversão está eficiente e permite ao produtor tomar decisões. “Num experimento que fizemos, com baixa oferta de capim e alta lotação (9 cab/ha), foram necessários 132 kg de ração para o animal engordar 1@, ante 117 kg na área com maior oferta e menor lotação (6 cab/ha). São referências importantes. Hoje, a maior parte dos projetos trabalha com média de 122 kg/@ ganha”, disse Dutra. Segundo ele, uma opção, em caso de falta de pasto, é incluir ingredientes fibrosos na ração (caroço ou torta de algodão, bagaço de cana etc), para evitar acidose. Já existem equipamentos que pesam a ração distribuída, o que permite mensurar o consumo e calcular o custo por @ produzida.

4ª) Cocho merece atenção especial – Uma das maiores dificuldades de implementação da TIP, no início, era a necessidade de alocar cochos suficientes no pasto para fornecer 8-10 kg de ração/cab/dia aos animais (o equivalente a 2% do peso vivo), mas esse desafio foi superado. Começou-se trabalhando com um espaço de 40-50 cm/cab no cocho, mas hoje aceita-se até 20 cm na TIP das águas, porque descobriu-se que os animais não buscam ração com voracidade, todos de uma vez, neste período. “O cocho para TIP foi assumindo formato diferente: boca mais larga, cobertura (para uso nas águas) e hoje não somente fornece ração, mas serve para armazená-la”, diz Dutra, salientando que isso diminui disputas por comida e permite fazer trato a cada dois dias, pulando o final de semana, o que reduz custos.

5ª) É importante monitorar fezes – Por meio delas, pode-se verificar se os animais estão recebendo uma dieta balanceada (com boa relação pasto-concentrado), para evitar problemas como acidose. O escore de fezes também pode apontar oscilação no consumo de ração. “Se elas estiverem variando muito, verifique se há problemas no fornecimento de água, se o tamanho do cocho está correto e se o lote não está grande demais. Na TIP, os lotes devem ter de 90 a 120 cabeças, para evitar segregação “, explicou Dutra, acrescentando que é possível aumentar o tamanho do lote, mas aí é preciso ficar ainda mais atento ao escore de fezes.

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6ª) Piquete ajustado – No começo da TIP, os pastos eram muito grandes, mas hoje sabe-se que é melhor usar áreas menores, de no máximo 20 ha. “Assim, os animais caminham menos, economizam energia e pastejam o capim de maneira mais uniforme, evitando superpastejo perto dos cochos e subpastejo em outros pontos”, salientou o pesquisador.

Evolução e legado da TIP

Após a palestra de Flávio Dutra, o zootecnista Neimar Urzedo contou um pouco da história da TIP, da qual foi protagonista e testemunha, quando ainda era técnico da Novanis, incorporada pela Agroceres. A técnica surgiu no Mato Grosso, em meados de 2000, de forma improvisada: “Cocho de semiconfinamento descoberto, 3 bois/ha, ração ensacada, distribuída manualmente”.

Segundo Urzedo, somente em 2008, com adaptação de uma calcariadeira para colocar ração no cocho a pasto, foi possível iniciar a intensificação do processo. “O fornecimento de ração a granel foi um divisor de águas na TIP, porque eliminou um gargalo operacional”, diz o técnico.

Hoje, salienta, muitas fazendas contam com cochos cobertos específicos para TIP, o que possibilita tratar os animais o ano todo; as dietas já contêm aditivos que permitem controlar o consumo; a logística dos projetos melhorou muito. Os cochos passaram a ser voltados para o corredor de manejo, visando facilitar o trato; nas águas, os pastos são alternados, para favorecer o capim (ocupação de 9-12 dias cada).

“A técnica evoluiu muito e, apesar de exigir cuidado com fluxo de caixa, capital de giro e aquisições de insumos, tem grandes vantagens, como a distribuição da receita ao longo do ano”, afirmou Urzedo. “Trata-se de uma ferramenta mais democrática, que pode ser usada para engordar pequenos lotes, diferentemente do confinamento, que requer cada vez mais escala para diluir custos de instalações e equipamentos”, completa Flávio Dutra.

Ciranda de conhecimento

Quem compareceu ao BeefDay 2024 pôde acompanhar as últimas novidades no âmbito da nutrição, reprodução e saúde animal. Com o slogan “Ciência a favor do campo”, este evento bianual cumpriu bem sua missão de conduzir produtores, técnicos e consultores numa ciranda de conhecimentos passíveis de ser aplicados no dia a dia da propriedade. Com oito “estações técnicas”, percorridas de forma itinerante, o BeefDay permitiu aos visitantes descobrir estratégias para melhor uso da recria intensiva a pasto (RIP), para amenizar o estresse no transporte e tornar dietas formuladas mais próximas das efetivamente consumidas.

Com a expectativa do fim do ciclo de baixa e recuperação dos preços no mercado pecuário, criadores também prestaram bastante atenção aos diferentes modelos de desmama propostos com o objetivo de preservar o escore corporal da vaca, de olho na próxima concepção. A nutrição das matrizes, aliás, foi um dos temas abordados, com o provocador questionamento: será que estamos fazendo a coisa certa? O painel comparou a suplementação em três momentos distintos para saber qual é o estágio ideal para suplementar matrizes, com impacto positivo nos índices de prenhez. Se ficou curioso, aguarde! Este e outros temas do BeefDay serão abordados nas próximas reportagens de DBO.

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