Pesquisa conduzida no MS mostra que novilhas Nelore têm melhor desempenho reprodutivo em sistemas de ILPF do que em pasto com poucas árvores nativas.
Por Marília Teixeira
É verdade que o Nelore é mais adaptado à produção em clima tropical do que as raças europeias, mas uma boa sombra é muito bem-vinda. O efeito benéfico que ela proporciona ao bem-estar dos animais vem acompanhado de melhor resultado na reprodução.
Um estudo, realizado pelas Universidade Estadual e Federal de Mato Grosso do Sul (UEMS e UFMS, respectivamente), em parceria com a Universidade Estadual de Londrina (UEL), o Instituto de Biologia Reprodutiva de Dummerstorf, na Alemanha, e as Embrapas Pantanal e Gado de Corte, demonstrou que novilhas Nelore manejadas em sistema de integração lavoura-pecuária-floresta (ILPF), durante o verão no Centro-Oeste, apresentam maior produção de embriões in vitro, sem alterações típicas em seus parâmetros fisiológicos.
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O experimento avaliou a competência oocitária e o desenvolvimento embrionário (in vitro) de 16 fêmeas submetidas a situações de menor e maior estresse térmico na Embrapa Gado de Corte, em Campo Grande (MS). Na área 1, tinham mais sombra, garantida por 227 pés de eucalipto/ha, dispostos em linhas espaçadas 22 m entre si, em sistema de ILPF (integração lavoura-pecuária-floresta).
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Na área 2, contaram com menos sombra, fornecida por apenas 5 árvores nativas/ha (cambará e cumbaru) em área de ILP (integração lavoura-pecuária). Nos dois casos, o capim era a braquiária Piatã. As 8 doadoras que estavam na área de ILPF produziram 154 óvulos, dos quais 50 foram convertidos em embriões (com uma taxa de blastocisto de 32,5%), enquanto as 8 que estavam na área de ILP produziram 169 óvulos, mas apenas 30 se tornaram embriões viáveis, uma taxa de conversão de 17,8% (veja tabela).
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Segundo a pesquisadora Fabiana Andrade Melo-Sterza, da UEMS, o estudo – realizado de dezembro de 2015 a fevereiro de 2016 e publicado em 2020 – corrobora outras evidências da literatura, apontando que o estresse térmico afeta desde os estágios iniciais da reprodução até o final da maturação dos embriões produzidos in vitro. Ela orientou o trabalho, que faz parte da tese de mestrado de Wilian Aparecido Leite da Silva.
Já a professora Eliane Vianna da Costa e Silva, da UFMS, salientou que, embora se esperasse um melhor resultado no sistema de ILPF com mais árvores, decidiu-se avaliar a área contendo nativas para demonstrar que, mesmo com sombra mínima no pasto, o animal é beneficiado. “Hoje, muitas propriedades contam com árvores isoladas em vários locais, mas sabemos que, sozinhas, elas morrem com o tempo. O ideal é formar pequenos bosquetes, até para favorecer a fauna local”, diz.
Condições do experimento
As 16 fêmeas Nelore tinham entre 22 e 24 meses de idade e escore corporal de 2,5 a 3,5, com peso médio de 348,5 kg. O sistema de pastejo usado foi o contínuo, em duas áreas de 6 ha cada, divididas em quatro piquetes. Todas as doadoras foram submetidas a três sessões de aspiração folicular guiada por ultrassom, para coleta de oócitos uma vez por mês.
Na área de ILPF, que ofereceu cerca de oito vezes mais sombra do que a de ILP, as condições microclimáticas favoreceram o conforto dos animais, fato demonstrado pelo Índice de Temperatura do Globo Negro e Umidade (ITGU), obtido a partir de equipamento que permite a leitura de temperatura, combinada com efeitos da energia radiante e velocidade do ar.
Ele é que dá a medida mais adequada de conforto térmico para animais que vivem a pasto e sob radiação solar constante. Conforme referências produzidas em outras partes do mundo de clima temperado, um ITGU acima de 74 indica que os animais saíram da zona de conforto térmico, o que, em tese, já afetaria seu desempenho reprodutivo, alimentar etc. Na faixa de 79 a 84, a situação é considerada de perigo. Acima de 84, é crítica.
Segundo Fabiana Melo-Sterza, contudo, há que se ponderar as faixas da régua para aplicá-la ao contexto do Cerrado brasileiro. “No Centro-Oeste já está claro que os índices ITGU são muito mais altos do que aqueles relatados na literatura como uma régua base para definir o estresse em bovinos. No artigo do Wilian e outros, discutimos o fato de estarmos usando uma referência que não é a mais adequada para a nossa região”, afirma Fabiana.
O estudo constatou que as temperaturas mais altas (29ºC a 38°C) aconteceram entre as 10 e as 14 horas, em ambas as áreas. Nos dois grupos de animais (ILPF e ILP), a sombra proporcionada pelas árvores conseguiu reduzir em 3 ºC a temperatura mais elevada. A umidade relativa do ar variou de 72% a 82%.
Como os parâmetros do ITGU são os únicos disponíveis até o momento, serviram de referência e apontaram que somente às 8 horas da manhã o índice aferido foi inferior a 74, o que demonstra a adaptabilidade do Nelore. Os maiores valores de ITGU foram verificados entre 11 e 13 horas. Neste último horário, o índice foi sempre superior a 76. Excluindo o mês de janeiro do cálculo, quando a umidade é maior, os valores foram sempre superiores a 88 ao sol e a 81 à sombra.
Sombra na medida certa
No experimento, Wilian Silva usou ILPF com espaçamento de 22 m entre renques de eucalipto, porque uma outra pesquisa, realizada em 2016, com este sistema, na mesma região, já havia mostrado que densidades altas de árvores geram microclima desfavorável ao bem-estar dos animais.
Na época, foram avaliados diferentes espaçamentos entre renques e concluiu-se, por exemplo, que, em áreas com linhas de eucalipto distantes 14 m entre si (alta densidade), os animais apresentavam queda de desempenho, segundo a professora Eliane, da UFMS, provavelmente em função do excessivo de umidade no local, que tornou o local desconfortável para os bovinos Nelore. Com base nessa premissa, optou-se por trabalhar, no experimento de Silva, com espaçamento 12 m entre renques, que já garante boa sombra.
“Estudos reforçam que essa densidade intermediária é um bom caminho para a pecuária proporcionar bem-estar dos animais e ainda permitir a diversificação de receita para o produtor”, diz Eliane.
No experimento de Wilian Silva, as novilhas Nelore foram capazes de manter a homeotermia (temperatura constante) com ITGU de até 90,4, sem apresentar alterações fisiológicas típicas, o que reforça o fato de o Nelore ser uma raça termotolerante.
A professora Fabiana reforça que não se constatou diferença significativa na qualidade dos oócitos entre os dois lotes, mas na taxa de blastocisto (conversão do óvulo em embrião) ela foi expressiva, como já mencionado.
De acordo com a professora Eliana, outras vantagens dos sistemas com sombreamento estão sendo estudadas pelo grupo da UEMS e da UFMS, no contexto da reprodução, como é o caso do efeito benéfico das árvores também quando os bezerros nascem. Ela lembra que a estação de nascimentos acontece no frio e que o extrato arbóreo evita a queda brusca de temperatura, além de representar uma proteção contra o vento e a chuva.
“Havendo alguma área de sombreamento, as vacas quase todas pariram lá. E, além de uma barreira contra o frio, observamos que as árvores ainda ajudam a prevenir os bezerros de ataques de aves de rapina”, diz. Segundo ela, novos experimentos serão conduzidos a fim de estimular a formação de bosquetes de Cerrado na pastagem e preservar a vegetação nativa da região.