Certificação de bem-estar animal chega aos confinamentos

Selo de bem-estar deve agregar valor e contribuir para elevar ganhos em produtividade e rentabilidade nos projetos de engorda intensiva

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Selo de bem-estar deve agregar valor e contribuir para elevar ganhos em produtividade e rentabilidade nos projetos de engorda intensiva

Facilidade de acesso ao cocho é um dos itens que serão observados.
Por Larissa Vieira

Enquanto o consumidor continua subindo o nível de exigência em relação à carne que compra, o Brasil dá um passo importante para atender uma demanda crescente do mercado mundial. Os confinamentos, de onde saíram 23% dos bovinos abatidos em 2021, agora poderão contar com o certificado de bem-estar animal “Confinar Bem”, lançado em agosto pela certificadora QIMA/WQS em parceria com a BE.Animal.

O protocolo utilizado para a certificação foi desenvolvido com base em estudos conduzidos na última década em confinamentos comerciais do Brasil. Elaborado pelos pesquisadores do Grupo Etco e BE.Animal, Fernanda Macitelli Benez, Janaína Braga e Mateus Paranhos da Costa, o protocolo levou cerca de um ano para ser elaborado, com validação no campo e revisão de critérios.

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Luiz Felipe Freitas, médico-veterinário e diretor comercial da QIMA/WQS, explica que a certificação já existe em outros países, como Estados Unidos e Canadá, só que com características bem diferentes, principalmente em relação ao clima e à sanidade. Já nos confinamentos brasileiros os animais enfrentam outros desafios, tais como excesso de calor, poeira, problemas com parasitas. “Nos sistemas intensivos, os desafios de bem-estar animal são maiores. Mas existem estratégias capazes de torná-los um ambiente sustentável”, entende.

O protocolo foi inspirado no conceito de “5 domínios de bem-estar animal”, que são ligados à nutrição, ambiente, saúde, comportamento (domínios físicos/funcionais) e domínio mental, buscando caracterizar as experiências como positivas e negativas. Ele conta com avaliações de registros, de documentos, de manejo e de condições no campo (Veja mais detalhes no quadro abaixo).

O que a certificação avalia

Registros, documentos e condições de criação e de manejo: Recepção, embarque e desembarque; tropa de lida; eutanásia; atos de negligência e abuso ou maus tratos.
Nutrição: Qualidade da água e da dieta; limpeza dos bebedouros e dos cochos; atenção às doenças metabólicas; cuidados especiais com os refugos; leitura de cocho, escore de fezes e de rúmen.
Ambiente: Facilidade de acesso ao cocho e ao bebedouro; condição do piso e das cercas; presença de lama e amônia; poeira; conforto térmico.
Saúde: Ronda sanitária; uso de medicamentos e períodos de carência; tratamentos individuais dos doentes; baia-hospital; descarte das carcaças.
Comportamento: Animais com falhas de adaptação; problemas sociais (sodomia, por exemplo); categorias especiais.

“O protocolo é robusto e ao mesmo tempo aplicável de maneira simples. Estamos seguros de que a certificação é uma excelente oportunidade de reconhecer e valorizar os confinadores que se preocupam com o bem-estar dos animais e com a sustentabilidade do seu negócio. E mais, ao cumprir os indicadores do protocolo, está latente a possibilidade de melhorar o desempenho dos animais confinados, facilitar acordos comerciais com clientes mais exigentes e ser mais atrativo para novos investimentos”, assegura Janaína Braga.

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Os confinamentos interessados em receber o selo serão auditados por profissionais com experiência em bem-estar animal credenciados pela QIMA/WQS. Em estruturas de até 2.000 animais, o processo leva um dia, correspondendo a 8 horas de trabalho. Os processos são todos por amostragem, seguindo os padrões internacionais.

Antes de receber a visita do auditor, o confinador terá acesso à lista de itens que compõem o protocolo, permitindo a adequação da estrutura às exigências, caso necessário. Após a auditoria, caso seja registrada alguma não conformidade, o confinador deverá corrigi-la e comprovar as melhorias feitas. “A certificação será revalidada anualmente. A proposta é que o confinamento promova a cada ano novas melhorias conforme seus recursos e possa ir subindo de nível gradualmente. Neste primeiro momento, temos três níveis de certificação: Bronze, Prata e Ouro”, informa Freitas.

Para receber a certificação Bronze, é preciso atender ao nível básico do protocolo. Já na certificação Prata, são acrescentadas exigências como redução do estresse térmico, tentativas de monta, brigas e perseguições entre os animais e melhores condições para a tropa. Para ter a certificação Ouro, o confinamento precisa também ter quebra ventos, estradas de acesso ao embarcadouro e pátio de manobras, terreno com características apropriadas em relação a desnível e lavagem frequente de bebedouros do curral, enfermaria ou hospital.

De acordo com a QIMA/WQS, o custo para certificar o confinamento vai depender do porte, tempo de auditoria e localização da fazenda, pois os custos logísticos são por conta de quem contrata o serviço.

Primeiras adesões

Um dos primeiros confinamentos que deve receber a certificação é o Ribas Agropecuária, em Guarantã (SP). Com estimativa de confinar 11.000 cabeças em 2022, o boitel adota há vários anos boas práticas de manejo e bem-estar animal e, desde então, tem melhorado seus índices zootécnicos e a rentabilidade para seus clientes. Com um projeto de ampliação em andamento, que deve passar a capacidade estática de 5.000 para 8.000 cabeças no próximo ano, o confinamento já conta com currais antiestresse, sistema de aspersão automático em toda a área, piso de concreto nos cochos e não faz uso da marcação a fogo.

Todas as melhorias foram implantadas após consultorias da BE.Animal. “Uma das sugestões do professor Mateus Paranhos foi a redução do tamanho dos lotes, que antes era composto de 130 animais e passamos para 65 a 90 cabeças, pois assim tem-se menos disputa por hierarquia, dentre outros benefícios. Tivemos evolução em vários índices, como o ganho médio diário que passou de 1.600g/dia para 1.750 g/dia. É mais carne sendo produzida”, destaca José Roberto Ribas Filho, proprietário do confinamento Ribas Agropecuária.

José Roberto Ribas Filho, Confinamento Ribas Agropecuária.

Outro ganho foi na taxa de sodomia, que antes era de 2% e agora está praticamente zerada, e de refugo de cocho, que caiu de 3% para menos de 1%, entre os machos. Além das adequações nas instalações, o confinamento paulista investiu no treinamento da equipe para a prática do manejo racional e ainda trabalha com metas para vários indicadores, dentre eles, para ronda sanitária e saúde dos animais.

O passo seguinte do confinamento será a adoção do sombreamento. “Fazemos todos esses investimentos em bem-estar animal porque entendemos que, se o bovino estiver bem, terá muito mais eficiência produtiva e nós teremos mais rentabilidade no negócio. Além disso, o mercado está cada vez mais exigente e a certificação será um diferencial para nossos clientes que poderão futuramente vislumbrar o recebimento de uma premiação nos frigoríficos. Será uma carne que terá acesso a mais mercados”, acredita Ribas Filho. O empresário acredita que outros confinamentos também já estejam preparados para a certificação e pretende apresentar o projeto Confinar Bem a outros produtores da região.

Na visão de Luiz Freitas, as cobranças em relação às boas práticas de manejo e bem-estar serão cada vez maiores por parte dos consumidores, principalmente os mais jovens. Uma pesquisa realizada com consumidores dos Estados Unidos, China, Índia, Rússia e Brasil, pela ONG Faunalytics, em 2018, apontou que os brasileiros são os mais preocupados com a questão. Perguntados se o preço baixo é mais importante que o bem-estar animal no processo de produção, 64% deles responderam que não. Entre os consumidores dos Estados Unidos e Rússia esse percentual ficou em 53%, da Índia em 52% e da China em 24%.

Desafios dos confinamentos

Para o professor Paranhos, o que determina o bem-estar animal não é o sistema de produção e, sim, a forma como é conduzido. “É preciso identificar pontos que levam a perdas. Excesso de lama, por exemplo, reduz a ida dos animais ao bebedouro, podendo causar problemas renais nos bovinos por falta de ingestão de água”, exemplifica. Pesquisa conduzida por ele, utilizando três tratamentos, em áreas de 6m2, 12m2 e 24 m2/animal, com 150 bovinos em cada curral, sendo 30 cm de cocho/animal, mostrou que a maior incidência de doenças foi verificada na área menor, principalmente de bronquite – 16% dos animais ante 1% dos animais da área maior.

Na área de maior densidade, 32,8% do total ganharam menos do que 1,6 kg/dia (ante 18,7% da área maior). “O lucro operacional foi quase 26% maior na área de 24 m2 do que na de 6 m2. Espero que a certificação ajude os pecuaristas a identificar esses pontos deficientes e a reduzir perdas”, diz Paranhos.

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