A União Europeia (UE) noticiou que, no prazo de 30 dias, pretende suspender a importação de carne bovina oriunda de fêmeas do Brasil submetidas a protocolos de IATF (Inseminação Artificial em Tempo Fixo) que utilizam o hormônio estradiol, medicamento largamente adotado em programas reprodutivos da pecuária brasileira.
A notícia sobre a nova medida europeia, que circulou nas mídias especializadas nesta terça-feira (10/9), pegou de surpresa uma boa parte dos envolvidos na cadeia pecuária brasileira, mas, para alguns, tal assunto (obrigação de retirada do estradiol por parte de alguns importadores de carne bovina) já era algo considerado, a ponto de instigar estudos práticos sobre o não-uso deste hormônio em protocolos de IATF.
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É o que fez a médica-veterinária Laís Abreu, pesquisadora de Doutorado pelo Departamento de Reprodução Animal da Universidade de São Paulo (USP), orientada pelo professor Pietro Baruselli – um dos maiores especialistas em genética do País.
Em entrevista ao Portal DBO, Laís relevou alguns resultados de seu trabalho científico, além de apontar os pontos favoráveis do uso do estradiol em programas de IATF.
“Em termos práticos, o principal resultado do trabalho foi a constatação do impacto negativo provocado pela retirada do tratamento com estradiol no protocolo de sincronização da ovulação para a inseminação artificial em tempo fixo (IATF)”, resume a pesquisadora.
Portal DBO – Você realiza ou realizou estudos sobre o uso de IATF sem estradiol? Explique melhor o seu envolvimento neste tema.
Laís – A pesquisa realizada busca avaliar os impactos negativos na fertilidade com a substituição do tratamento com estradiol pelo tratamento com GnRH nos protocolos de sincronização para IATF. A eficiência reprodutiva dos rebanhos está associada diretamente à sustentabilidade dos sistemas de produção de carne e de leite.
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Portal DBO – Qual é a sua opinião sobre o uso de estradiol na pecuária de corte? Há uma onda contrária em relação à utilização do medicamento?
Laís – Os estudos científicos realizados demonstram claramente que o tratamento com estradiol em doses fisiológicas nos protocolos de sincronização para aplicação de biotecnologias da reprodução não compromete a saúde animal e a saúde humana quando do consumo dos produtos (carne e leite).
Consideramos que não existe uma onda contrária à utilização do estradiol nos protocolos de sincronização no Brasil, uma vez que o tratamento com estradiol apresenta resultados muito positivos na fertilidade das fêmeas inseminadas artificialmente. Contudo, existem algumas restrições geopolíticas para a utilização de estradiol na pecuária em alguns países.
Portal DBO – Tecnicamente, existem estudos com outros medicamentos substitutos do estradiol em protocolos de IATF?
Laís – A alternativa à não utilização do estradiol seria o Hormônio Liberador de Gonadotrofinas (GnRH), medicamento que também está disponível no mercado.
Portal DBO – No uso tradicional do estradiol em protocolos de IATF, existe a opção de utilização de dois tipos de estradiol, certo? Seria bom você reforçar como é, normalmente, aplicado o estradiol nos protocolos?
Laís – No mercado nacional existem diferentes ésteres de estradiol disponíveis para serem utilizados nos protocolos de sincronização para o emprego de biotecnologias da reprodução (benzoato e cipionato de estradiol).
O benzoato de estradiol é utilizado no início do protocolo para sincronização da onda de crescimento folicular. Já o cipionato de estradiol é utilizado no final do protocolo para a indução da ovulação e para preparar o sistema genital para que ocorra a fertilização e o desenvolvimento do embrião.
Portal DBO – Você pode revelar os resultados preliminares de seu estudo?
Laís – A pesquisa foi realizada nos anos de 2022 e 2023 em propriedades comerciais parceiras do Departamento de Reprodução Animal da Universidade de São Paulo [Fazenda Manah, Fazenda Boa Esperança, Fazenda Braúna e Fazenda Potokkinha (Santana do Araguaia – PA), Fazenda Deseret (Cachoeirinha – TO), Fazenda Palmito (Vila Rica – MT) e Fazenda Itamaraty (Porto Murtinho – MS)].
Para o estudo, foram utilizadas 1.111 novilhas de 24 meses de idade e 1.340 vacas da raça Nelore. No dia zero (D0), as novilhas e vacas receberam um dispositivo intravaginal de progesterona e foram randomizadas de acordo com a categoria, ciclicidade e o escore de condição corporal nos seguintes tratamentos (arranjo fatorial 2 x 2):
1) BE/CE: 2mg de benzoato de estradiol no D0 e 1mg de cipionato de estradiol no dia da retirada do dispositivo intravaginal (dia 7 para as novilhas e dia 8 para as vacas)
2) BE/GnRH: 2mg de benzoato de estradiol no D0 e 25µg de GnRH (lecirelina) no dia da IATF (dia 9 para as novilhas e dia 10 para as vacas)
3) GnRH/CE: 50µg de GnRH no D0 e 1mg de cipionato de estradiol no dia da retirada do dispositivo intravaginal (dia 7 para as novilhas e dia 8 para as vacas)
4) GnRH/GnRH: 50µg de GnRH no D0 e 25µg de GnRH no da IATF (dia 9 para as novilhas e dia 10 para as vacas)
O protocolo experimental foi ajustado para as novilhas, que receberam o tratamento com prostaglandina no D0 do protocolo, além do benzoato de estradiol.
Portal DBO – Explique melhor os detalhes do estudo e a importância do estradiol para a melhoria da eficiência dos protocolos de IATF.
Laís – Em termos práticos, o principal resultado do trabalho foi a constatação do impacto negativo provocado pela retirada do tratamento com estradiol no protocolo de sincronização da ovulação para a inseminação artificial em tempo fixo.
Foi também observado que as fêmeas tratadas com benzoato de estradiol no dia zero do protocolo ou cipionato de estradiol no dia da retirada do dispositivo de progesterona apresentaram uma maior espessura do endométrio uterino, maior taxa de expressão de estro e maior taxa de prenhez à IATF. A eficiência reprodutiva dos rebanhos é um fator limitante para o crescimento da pecuária sustentável.
Assim, a eficiência reprodutiva da fazenda de cria está diretamente vinculada à produção de bezerros. No entanto, vacas criadas a pasto em condições tropicais, como é o caso da maior parte do rebanho brasileiro, possuem alta incidência de anestro pós-parto, o que resulta em aumento do intervalo parto-concepção, do intervalo entre partos e, consequentemente, redução da performance reprodutiva.
A IATF mimetiza o estro de novilhas e vacas. Dessa forma, é possível realizar a inseminação artificial em momentos pré-determinados, sem a necessidade de observação de estro, aumentando significativamente a eficiência reprodutiva dos rebanhos.
Os dados da nossa linha de pesquisa demonstram que a remoção da utilização de estradiol em protocolos para a sincronização da ovulação promove um impacto negativo para a pecuária (redução da prenhez à IATF, menor oferta de quantidade e qualidade de bezerros, perdas na produtividade, maior dificuldade operacional).