Por Sergio Raposo de Medeiros – Pesquisador da Embrapa Pecuária Sudeste
Sim, é a resposta simples, direta e errada. Claro que se trata de uma atividade econômica e, portanto, a última linha do balanço define se ela pode persistir ou não. Como dizia o falecido jornalista Joelmir Betting, o melhor insumo para a agropecuária é o lucro. Legítimo, também, que cada agropecuarista queira achar os caminhos para maximizá-lo. O objetivo aqui é examinar essa questão por um horizonte ampliado e tentar mostrar que pode, com vantagens, ir além do que apenas ganhar dinheiro.
Pecuarista produz mais do que bovinos, produz carne:
A questão tem várias camadas e começo pela questão da otimização do lucro com o máximo da eficiência biológica do animal. Desse ponto de vista, bastaria estar o animal com o peso de abate alvo, independente do seu grau de terminação, e mandá-lo para o gancho. Ocorre que, na hipótese dele estar pouco terminado, há grandes chances de ter problemas com a carne produzida. Um dos motivos porque isso ocorre é o resfriamento rápido da carcaça pela falta da camada de gordura de recobrimento, que serve como um isolante térmico. Quando a carcaça esfria muito rapidamente, há o encurtamento das fibras musculares, o que deixa a carne muito dura.
A princípio, o pecuarista não tem qualquer prejuízo direto, todavia, por decisão dele, o consumidor terá uma experiência ruim e, caso se repita com frequência, ela empurra o consumo para as carnes alternativas. As carnes de frango e porco, aliás, têm aumentado sua participação no consumo nos últimos tempos. Ainda que o preço mais competitivo seja a maior explicação, não compensa dar essa ajuda extra aos competidores. Compensa levar em consideração uma terminação mínima, ainda que isso tire um pouco da eficiência biológica e reduza a margem.
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Em última análise isso apenas ilustra que é interessante ao produtor ter em mente que ele deve trabalhar tendo sempre em mente atender as expectativas dos seus consumidores.
Bem estar animal até para aqueles que acham que não são:
Além de uma carne com boas características de sabor, odor e maciez, o bem estar animal (BEA) é mais uma demanda do consumidor. Na prática, parece ainda não haver uma cobrança mais ostensiva, mas pesquisas mostram preocupação crescente com o assunto. Uma delas, por exemplo, mostrou que ter conhecimento de manejos que vão contra o BEA seria determinante para a decisão do consumidor de tirar do cardápio um produto de origem animal.
Felizmente, a adoção de práticas de BEA têm vantagens que vão muito além de apenas satisfazer os consumidores. Uma das principais é que, como o trabalho com os animais é feito levando em consideração o comportamento dos animais, ele flui de maneira muito melhor. O interessante é que não há correria, ocorrendo bem o oposto disso. O trabalho parece mais lento, mas, por não haver (ou haver menos) interrupções, termina-se antes a tarefa.
As mencionadas interrupções por vezes são por acidentes com os animais, como no caso de um deles ficar de ponta-cabeça na seringa, que frequentemente ocorre como uma reação do animal a uma condução com gritos e agressões. Nesse caso, o prejuízo pode ser de um animal machucado. No trabalho para retirar o animal dessa situação, o risco de contusão passa para os trabalhadores no processo de fazer o animal retornar ao prumo. Isso exemplifica que a preocupação com manejo racional, um dos eixos do BEA, reduz acidentes, ou seja, menos prejuízos com os animais e menores índices de acidentes de trabalho.
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Importante frisar que a adoção do BEA tem potencial de melhorar o desempenho dos animais, à medida que menos energia é desperdiçada para atividades que não aquelas ligadas à produção. Não por acaso, uma das características desejáveis no melhoramento é ter animais menos reativos (mansos), o que está ligado à maior eficiência alimentar. Animais menos reativos em ambientes cujo manejo predispõe menos reação contribui para melhores desempenhos.
Aqui, mais uma vez, fica claro que BEA é relação ganha-ganha por, ao mesmo tempo, melhorar os resultados na fazenda (trabalho mais eficiente, menos acidentes, maior desempenho e melhor eficiência animal) e reduzir um flanco de ataque às fazendas de pecuárias que, segundo os detratores seriam local de sofrimento animal.
Ambiente, zelai pelos pecuaristas e vice-versa:
Uma analogia recorrente é descrever as fazendas como indústrias à céu aberto. O fato de estar à mercê dos humores do clima, como depender da regularidade das chuvas, deixa claro a dependência quase absoluta da natureza. Ainda que essa seja a faceta mais descarada desse particular, são vários fatores bióticos que interagem com a produção, positiva ou negativamente.
Há uma tendência para que as interações mais complexas sejam positivas e, as mais pontuais, negativas. Assim, em geral, a biodiversidade no ambiente costuma ajudar a manter o equilíbrio, enquanto a ausência dela facilita a ocorrência de pragas e doenças. Isso vale, inclusive, para o aumento de carbono (C) no solo que trás inúmeras vantagens produtivas, sem contar o benefício de sequestrar C que ajuda a reduzir o aquecimento global.
Infelizmente, pouquíssimos serviços ambientais têm atribuído a si um valor mais certeiro como, por exemplo, a polinização do café ou da soja, que pode aumentar a produção de grãos de, respectivamente, 17% e 13%. Esses valores seriam como a ponta do iceberg.
No caso do Brasil, os produtores rurais já são expostos a leis ambientais rigorosas cujo estabelecimento segue o objetivo de manter o ecossistema com os serviços ambientais gratuitamente prestados pela natureza de forma a garantir um ambiente minimamente funcional.
Por isso, melhor do que apenas “minimamente funcional”, é que o zelo do produtor no cuidado com sua reserva legal e suas áreas de preservação permanente faça com que os benefícios sejam maximizados. O melhor exemplo que já constatei foi que, ao seguir todas as recomendações para as nascentes em uma fazenda, alguns corpos d’água intermitentes se tornaram permanentes.
O importante é mostrar que o custo para manter essas áreas, na verdade, é um investimento fundamental para que a produção pecuária siga viável. Assim, o maior beneficiário é o próprio produtor, ainda que seja desejável mostrar aos demais brasileiros que eles extrapolam em muito os limites das propriedades, pois os benefícios ambientais são difusos para toda a sociedade, inclusive garantindo sua segurança alimentar.
Assim, cuidar do ambiente também é uma das facetas da fazenda de pecuária.
Pecuária: Se existem atividades mais rentáveis, por que permanecer nela?
Até aqui, temos que não basta colocar peso em um boi e vender, mas produzir carne que o consumidor deseje. Ela deve ser produzida com respeito aos animais em uma propriedade ambientalmente equilibrada. Por fim, o resultado econômico deve ser satisfatório em um nível que, não apenas evite com que o produtor desista, mas possa ser atrativo para novos entrarem na atividade.
Do ponto de vista econômico, uma das principais características da pecuária é ser uma atividade de relativo baixo risco que produz uma commodity de grande liquidez. Em contrapartida, as rentabilidades associadas à produção pecuária costumam ser modestas.
Assim, não é difícil achar atividades alternativas cujo resultado por hectare ultrapasse o valor obtido com a produção pecuária. Aqui sempre me lembro da ligação de um pecuarista que era um dos últimos de sua região ainda a não ter arrendado sua área para cana-de-açúcar. O que ele me pedia eram formas de aumentar a rentabilidade, pois ele não queria ficar como seus vizinhos que, segundo ele, estariam vivendo à base de antidepressivos. Exageros à parte, isso ilustra bem a questão de resumir uma atividade econômica apenas a remuneração financeira.
O que o dinheiro não paga?
Tenho o prazer de conhecer pessoalmente pecuaristas que fazem questão de produzir a carne que ele mesmo deseja consumir; que, mesmo com prejuízo, compram suplementos para que seus animais não passem fome na seca e, ainda, os que parecem ter até mais orgulho da zeladoria ambiental do que da própria produção.
Eles poderiam ter uma receita maior, pelo menos em curto prazo, se não se preocupassem com a qualidade da carne, com alguma perda de peso na seca ou tivessem menos capricho ambiental. As opções são, primordialmente, pela satisfação em fazer bem feito.
Há tempos os gestores de pessoas (RH) aprendem que a remuneração do trabalhador não é o único fator que o faz permanecer em uma empresa. Questões como satisfação pessoal na atividade (gostar do que faz), possibilidade de aprendizado e evolução (sensação de crescimento), bem como sentir-se relevante, podem explicar porque uma proposta mais atraente do ponto de vista financeiro é recusada.
Imagino que essa seja a mesma explicação por haver tantas pessoas em uma atividade que não é o uso mais rentável da terra, e que, ainda assim, fazem escolhas anti-econômicas em prol de vantagens subjetivas, como uma carne melhor para comer, animais menos estressados e um ambiente mais vivo.
Graças a esta caraterística humana de ansiar mais do que o básico para viver, temos inúmeros exemplos de produção pecuária virtuosa e que, como o conteúdo desse texto procura mostrar, sustentável. Pecuaristas são apaixonados por sua atividade e extraem uma dose extra de prazer ao fazerem além do mínimo. É esse “prazer extra” que o motiva a fazer cada vez melhor. É fazer melhor que acaba trazendo resultados ainda melhores, incluindo retorno financeiro.
Por fim, é bom reafirmar que não existe aqui qualquer preconceito quanto ao lucro e que pode existir produtores satisfeitos apenas com ganhar dinheiro. Só é bem menos divertido e pode durar menos!
Você gostou desta coluna? Tem alguma sugestão ou informação nova? Por favor, me escreva no e-mail sergio.medeiros@embrapa.br.
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