Estação de monta: atenção para a vacinação contra doenças reprodutivas

Confira o que está no ‘Radar Sanitário” para setembro; coluna do médico veterinário e professor Enrico Ortolani trata das rotinas no manejo dos rebanhos de corte

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Por Enrico Ortolani – Professor titular de Clínica de Ruminantes da FMVZ-USP (ortolani@usp.br). Colaboração pontual de Lucas Alencar, doutorando em Clínica Veterinária, no Depto. de Clínica Médica da FMVZ-USP.

Essa coluna consta de duas partes: A) Manejo Sanitário para o mês; B) Registro recente de doenças transmissíveis ou não, sugerindo medidas para suas prevenções. Tais registros são obtidos com o apoio das Agências Estaduais de Defesa Sanitária Animal, do MAPA, e da rede de contato de veterinários de campo, assim como minhas observações.

MANEJO SANITÁRIO

PREPARO PARA ESTAÇÃO DE MONTA: VACINAÇÃO CONTRA DOENÇAS REPRODUTIVAS 

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Para as fazendas que iniciam a estação de monta no mês de outubro (grande parte do Brasil-Central Pecuário: planícies de SC, PR, todos estados das regiões sudeste e centro-oeste, RO, AC e sul do AM, PA, MA e PI, centro e sul da BA), recomenda-se vacinar duas vezes as reprodutoras contra leptospirose, diarreia viral bovina (BVD) e herpesvírus 1 (IBR): um mês antes da estação de monta e no dia anterior ao início desta, ou do protocolo do IATF.

A leptospirose pode provocar mortalidade embrionária, o abortamento entre o 5º e 8º mês de gestação e o surgimento de bezerros fracos. Cerca de 90% dos casos são transmitidos pela própria urina da vaca infectada com a bactéria (Leptospira sp.) contaminando aguadas e pastagem, 5% por transmissão venérea pelo touro e 5% por ratos.

A leptospirose ocorre em todo território nacional, mas é ela é mais frequente nos rebanhos do Centro-Oeste, com destaque ao Pantanal, Norte e regiões baixas e úmidas dos estados do Rio de Janeiro, Espírito Santo, São Paulo, Santa Catarina e Rio Grande do Sul. De forma semelhante à DVB, o herpesvírus tipo 1 (vírus da rinotraqueíte) pode provocar mortalidade embrionária, abortamento e surgimento de bezerros defeituosos.

 VERMIFUGAÇÃO ESTRATÉGICA NO RS E NO PLANALTO CATARINENSE

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Diferente do Brasil-Central em que a vermifugação estratégica, em bovinos desmamados até 2 anos de idade, é feita nos meses Maio (5)/Agosto(8)/Novembro(11), no estado do Rio Grande do Sul e no planalto catarinense, em que as condições climáticas são diferentes, esta mesma vermifugação deve feita nos meses Março(3)/Junho(6)/Setembro(9)/Novembro (11). Segundo recomendações de especialistas gaúchos, a vermifugação pode ser feita em setembro com anti-helmínticos a base de fembendazole ou moxidectina.

SURTOS E FOCOS DE DOENÇAS NO BRASIL

“MAL DO ANEL” ATACA NO ACRE

Manchas cinza-enegrecidas associadas a queda de pelos, a maioria em forma de círculos, e em casos mais avançados presença de uma pequena escama escura recobrindo as lesões, espalhadas pela cabeça, pescoço, tronco, garupa e em menor grau na barbela, foram descritas por veterinário de campo acreano, em duas propriedades no município de Rio Branco.

A maioria dos animais afetados eram desmamados (85% do lote), mas em alguns casos atingia também bezerros em lactação e vacas em pior condição corporal. O quadro iniciou em um ou outro animal e se espalhou para a maioria. Pelo formato circular das lesões é denominado de “mal do anel”, mas quando muitas manchas se unem perdem esta forma arredondada.

A doença, cientificamente chamada de dermatofitose, é causada principalmente por fungos do gênero Trichophyton, com destaque à espécie verrucosum, mas recente estudo mineiro verificou que este agente pode estar associado a outros fungos, em especial os do gênero Candida.

Embora alguns poucos digam ao contrário, os surtos ocorrem no Brasil principalmente nos meses mais secos do ano, em animais jovens, principalmente em bovinos até dois anos de idade, ou mais velhos desnutridos. Acompanhei um caso, em que a introdução de um único desmamado no rebanho com a doença espalhou a enfermidade para a maioria dos animais da mesma categoria. Alguns estudos verificaram que os bovinos jovens são mais atingidos, pois têm um pH da pele mais ácidos que os mais velhos, favorecendo o desenvolvimento dos fungos, semelhante as espinhas (acnes) em adolescentes.

Embora a literatura não descreva, bovinos com dermatofitose ganham menos peso que sadios. Comparei num rebanho, garrotes com cerca de 20 lesões circulares, de cerca de 2 cm de diâmetro, e sadios mantidos no mesmo manejo. Os primeiros deixaram de ganhar, no período, 5 % a 10% de peso, em relação ao hígidos, o que é bastante. Geralmente, as lesões permanecem por dois a quatro meses, e desaparecem automaticamente, mas alguns desmamados as mantêm por mais tempo.

O tratamento pode ser feito com uso de certos fungicidas injetáveis, mas é caro e nem sempre dá bons resultados, preferindo-se o uso de antissépticos tópicos, com propriedades antifúngicas, os quais devem ser passados por três a quatro vezes para surtirem resultados.

Cuidado! A dermatofitose pode ser transmitida dos animais para o homem, em especial para crianças e adolescentes, e sem querer o tratador ou manipulador dos animais pode transmitir para a garotada. Por isso, trate os animais com mal do anel com luvas e faça muito bem a higienização das mãos com esmero.

A doença do anel pode apresentar lesões circulares.
As lesões ocorrem em várias regiões do corpo.
A doença é contagiosa e se transmite para outros bovinos do lote.
Quadro avançado da doença.
Adolescente com dermatofitose. (Foto: Wikemedia Commons)

 SURTOS DE METEORISMO ESPUMOSO NO RS

Colega de campo, ligado à empresa de nutrição, informou que ocorreram dois surtos de meterorismo espumoso em bovinos jovens desmamados, que estavam num sistema integração lavoura-pecuária (ILP). O primeiro aconteceu no município de Palmeira das Missões, num lote de cerca de 200 novilhas (terneiras) que estavam num piquete de azevém (Lolium multiflorum) , que tinha sido plantada após cultura de soja, altamente adubada.

Nesse caso quatro fêmeas morreram e outras quatro tiveram que ser tratadas de urgência, após o “estufamento” ruminal. O segundo caso aconteceu no município de Joia, num lote contendo 250 garrotes (terneiros), que foram colocados em piquetes de aveia muito jovem, que tinha sido recém-plantada (30 dias), cuja a área também tinha sido plantada anteriormente com soja. No decorrer de quinze dias, tiveram que fazer o tratamento de três a quatro animais por dia, que apresentaram o mesmo quadro citado acima.

Tanto as pastagens de azevém como a de aveia são plantios de inverno, que resistem bem à geada e que tem um ótimo crescimento nessa época do ano, sendo uma excelente alternativa para as regiões sul e sudeste. Embora os quadros de meteorismo espumoso sejam mais comuns em bovinos mantidos em pastagem ricas em certas leguminosas, como a alfafa jovem ou de trevo branco ou vermelho, também tem sido relatado a doença em rezes pastejando pastagens de azevém e aveia muito tenros e suculentos, com muita folha e pouco talo.

Nessas condições os volumosos são muito ricos em água, proteína solúvel e clorofila, porém pobres em fibra bruta e lignina, o que estimula a alta ingestão dos capins. Os quadros ocorrem em épocas de alta pluviosidade (em ambos municípios choveu bastante no período), acompanhados de geadas leves ou presença de muito orvalho pela manhã.

Nestas circunstâncias há crescimento de certas bactérias ruminais gram positivas (gêneros Butyrivibrio; Lachnospira e Streptococcus bovis) que produzem rapidamente um tipo de espuma viscosa, que se mistura ao conteúdo do rúmen, aprisionando bolhas de gás, que seriam “arrotadas”, pelo animal, fazendo com que haja  um acúmulo deste conteúdo, como o fermento que faz crescer o bolo, podendo matar o animal por parada cardiorrespiratória. A falta de fibra nos capins não estimula a produção de saliva, que contêm naturalmente uma substância antiespuma. Os bovinos mais glutões e os que salivam menos têm maior chance de ter o meteorismo espumoso.

Pastagem de azevém, muito suculenta. (Foto: Embrapa)
Pastagem suculenta de aveia.
Bovino com meteorismo espumoso.
Conteúdo ruminal viscoso e pastoso.

Para o controle do meteorismo espumoso, foi recomendada nas duas propriedades, o oferecimento, pela manhã, de pelo menos 50 % da ingestão de alimento a ser ingerido num dia, de silagem, de capim picado ou de feno, como fonte de fibra, e só colocação dos animais, sem fome, para pastejar no período da tarde nos piquetes problemáticos. Também foi sugerido a adição de um ionóforo (monensina), na suplementação mineral, para diminuir o crescimento das bactérias produtoras da espuma.

ERVA-SANTA NÃO PERDOA, E MATA EM SC

Veterinário catarinense relatou a morte de sete (7) vacas no município de Lages, neste estado. Segundo a informação, 47 vacas foram transferidas de uma “pastagem rapada” (exaurida), devido ao período de estiagem e provavelmente pela alta lotação animal na propriedade, para um galpão desativado de avicultura, para ser alimentadas com silagem de milho. Dentro até 40 horas, já no confinamento, ocorreram as mortes, em série.

Os animais manifestaram uma certa inquietude, deitavam e se levantavam constantemente, gemiam, permanecendo mais tempo deitados, quando mantinham a cabeça estendida ou voltada para a barriga, morrendo em poucas horas. Alguns animais apresentavam diarreia e meteorismo gasoso, que se acentuava depois da morte.  Na abertura da pança (rúmen) foi constatado avermelhamento de sua mucosa e a presença de pedaços de ramos e flores da planta Baccharidastrum triplinervium, conhecida popularmente como erva-santa ou erva-santana, presente nas regiões sul e parte do sudeste (divisa sul de São Paulo com Paraná). Essa planta cresce ao lado de matas, ou é invasora de pastagens provenientes de solos rasos e úmidos.

Outros surtos dessa intoxicação já foram descritos em SC e no sul do Paraná, sempre em período de estiagem, quando as pastagens estão rapadas ou que os animais adentram as matas para comerem essa planta tóxica, por falta de alimentos. Estudo experimental conduzido na UNESC (Lages) indicou que parte dos bovinos adultos que recebem 10 a 20 g dessa planta em floração, por quilo de peso corpóreo do animal, podem morrer com os mesmos sintomas descritos acima, não existindo ainda um tratamento eficiente contra este mal.

Vaca morta pela erva-santa.
Vermelhidão na mucosa do rúmen.
Aspecto da planta verde. (Fonte: Horto didático UFSC)
Planta em floração seca. (Fonte: Horto didático UFSC)

SURTOS DE FASCIOLOSE EM REBANHOS PARANAENSES

A Agência de Defesa Agropecuária do Paraná (ADAPAR) monitora a presença de parasitas adultos de Fasciola hepatica em fígados de bovinos abatidos em vários pequenos frigoríficos, que são fiscalizados pelas autoridades estaduais e identifica o município em que são criados os animais, trabalho este bastante importante e louvável, a ser copiado por outras agências estaduais.

Neste último mês chama a atenção surtos de fasciolose em rebanhos de três municípios do oeste paranaense: Guaraniaçu (66%), Santa Tereza do Oeste (60%) e Campo Bonito (27%). Nessa parasitose os fígados são condenados e enviados para a graxaria. Embora o criador não receba pelo fígado, a identificação de fasciolose no rebanho é fundamental, pois a presença prolongada (mais de 3 meses) de 10 parasitas adultos diminuí o ganho de peso em cerca de 11% e provoca um atraso no envio ao matadouro por até 120 dias; vacas reduzem a taxa de prenhez em 15 %; e bezerros filhos de vacas não tratadas desmamaram 24 kg mais leves. Isso é devido ao efeito lesivo do parasita no fígado e ao seu hábito de se alimentar de sangue.

Estudo brasileiros, com expressiva quantidade de bovinos abatidos, verificaram que 15 % deles têm o parasita no RS, seguidos por SC (4,5%), ES (2,5), PR e SP (0,2%), porém com a importação de rezes do RS para outros estados e a presença dos caramujos apropriados, a fasciolose está aos poucos se espalhando pelo Brasil.

Distribuição da fasciolose bovina no brasil (Fonte: Marcelo Molento)

A doença é mais comum em bovinos pastejando áreas de baixadas, alagadiças e encharcadas, geralmente próprias para o crescimento do arroz, são ideais para o crescimento do caramujo da família Lymnaeidae, (Pseudosuccinea columella, Galba viatrix, Galba cubensis, Galba truncatula), que é o hospedeiro intermediário do parasita.

O ciclo da doença começa com a eliminação dos ovos do parasita pelas fezes, com a saída do larvas dos ovos (miracídeos) que penetram nos caramujos e aí permanecem por três meses, se multiplicando de forma assexuada e se tornando maiores. Em seguida saem do caramujo e ficam na beira do capim úmido esperando para ser ingeridos. No corpo do bovino, penetram pelo estômago verdadeiro (abomaso) e chegam ao fígado, onde se tornam maduros, e as fêmeas eliminam ovos, que cairão nas fezes concluindo o ciclo.

A constatação de grande quantidade do parasita no fígado, no frigorífico, é fundamental para se estabelecer um tratamento estratégico, que na região sul deve ser conduzido nos meses de abril, setembro e dezembro, com princípios ativos a base de tricabendazole, nitroxinil, clorsulon ou closantel. O seu veterinário de plantão saberá como fazê-lo.

Ciclo evolutivo da fasciola hepática. (Fonte: Claudio S.L. Barros)
Caramujo Pseudosuccinea columella.
Presença de parasitos adultos no fígado. (Foto: Leandro Silva)

FOCOS E SURTOS DE RAIVA BRASIL AFORA

Lista dos municípios de vários estados com casos de raiva bovina, ou em morcego. Embora a vacinação não seja obrigatória no Brasil, com exceção de parte dos municípios de Goiás e do Pará, recomenda-se a vacinação do rebanho uma vez por ano. Devido ao maior risco de raiva, no caso dos municípios abaixo citados é indicada a vacinação imediata de todo rebanho, independente da imunização anual, a partir de bezerros acima de 17 dias de idade, pois abaixo desta faixa etária a resposta à vacina é ineficaz.

RIO GRANDE DO SUL – Santa Maria, Caibaté, Ivoti, Dois Irmão, Chuvisca,  Canguçu, Jaguari, Riozinho, Piratini, Santa Maria do Herval (fonte Seapi)

PARANÁ – Capanema, Lindoeste, Pérola do Oeste, Bela Vista da Coroba, Campo Bonito, Garapuava, Nova Fátima, São Gerônimo da Serra, São João do Triunfo, Senges, Tibagi, Wenceslau Brás (fonte Adapar)

SÃO PAULO – Juquitiba e São Lourenço da Serra (Fonte- Secretaria da Agricultura-EDA)

MATO GROSSO – Novo Mundo, Barra do Garças, Cuiabá, Guarantã do Norte, Jangada, Poconé, Terra Nova do Norte, União do Sul, todos em bovinos; um caso positivo em morcego em Canarana (Fonte Indea).

RONDÔNIA – Colorado do Oeste (Fonte Indea)

Mande sua notícia da presença de focos ou surtos recentes dos mais variados tipos de doenças em gado de corte para o seguinte email: ortolani@usp.br

 

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