Por Enrico Ortolani – Professor titular de Clínica de Ruminantes da FMVZ-USP (ortolani@usp.br)
Essa coluna consta de duas partes: A) Manejo Sanitário para o mês; B) Registro recente de doenças transmissíveis ou não, sugerindo medidas para suas prevenções. Tais registros são obtidos com o apoio das Agências Estaduais de Defesa Sanitária Animal, do MAPA, e da rede de contato de veterinários de campo, assim como minhas observações.
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MANEJO SANITÁRIO
VERMIFUGAÇÃO ESTRATÉGICA PARA O RS E SC
Segundo recomendações da Embrapa, chegou a hora de vermifugar estrategicamente todos os bovinos desmamados até os dois anos de idade, criados em todo o Rio Grande do Sul e no planalto catarinense. As regiões não-serranas de Santa Catarina têm um clima mais semelhante as do Brasil Central e realizam tal vermifugação em outros meses. Os parasitologistas da Embrapa indicam nessa etapa o emprego de anti-helmínticos a base de levamisole. A vermifugação estratégica além de reduzir a quantidade de vermes diminuí também a contaminação das pastagens com as larvas de parasitas, evitando no período que se segue novas infestações gastrointestinais e pulmonares ocorram.
É completamente entendível a dificuldade que os pecuaristas gaúchos têm no momento. Várias medidas de prevenção, em conjunto com essa, são sugeridas no segmento abaixo. Força pecuaristas dos pampas, vocês irão reconstruir um belo trabalho que é tradicional neste estado sulino! Qualquer dúvida sanitária que tiverem escrevam para gente. Como se diz lá no norte: não se avexem não!
CONSEQUÊNCIAS SANITÁRIAS PARA O GADO GAÚCHO DE CORTE
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A chuvarada e as inundações trouxeram enormes transtornos ao povo gaúcho, que com sua força e ajuda de todos da nação irão aos poucos reconstruir este pujante e importante estado. Frente a esta catástrofe que atingiu também o campo se levanta a questão de quais são as consequências sanitárias para o gado dos pampas, em curto, médio e longo prazo. Para levantar este panorama conversamos com nossas fontes gaúchas de informação veterinária e outros especialistas Brasil afora para constatar os fatos já ocorridos e os riscos que surgirão em futuro próximo.
FATALIDADES JÁ OCORRIDAS E RISCOS A CURTO PRAZO (Afogamento; fome; botulismo, intoxicação por mio-mio e por maria-mole)
Segundo informações recebidas, e pelas imagens mostradas na TV, muitos bovinos criados em áreas muito planas e alagadiças morreram afogados ou levados pela enxurrada. O número exato de mortes não é preciso, mas segundo o Presidente do Conselho Regional de Medicina Veterinário gaúcho, Dr. Mauro Moreira, o montante atingiu vários milhares de cabeças. Segundo o Jornal “A HORA” somente no município de Venâncio Ayres morreram 4.500 bovinos de corte e de leite. Uma previsão mais certa das baixas só o tempo dirá!
Foi relatado ainda que após uma semana do começo das inundações, com escasseamento dos alimentos, ocorreram a morte de muitas rezes, em especial as mais debilitadas e magras, por fome e desnutrição. Fiz trabalhos científicos com oferecimento restrito de alimentos para bovinos. Um animal bem nutrido pode permanecer mais de oito dias sem comer, apenas bebendo, obtendo energia das reservas de seu próprio corpo, o que falta aos mais debilitados, sendo os primeiros a morrer. Esse consumo de energia tem um preço alto, levando ao emagrecimento pronunciado. O que serve de consolo é que com a volta da alimentação normal os bovinos magros, por restrição de alimentos, terão um ganho compensatório, ao redor de 20 % a 30 % a mais que bovinos bem-nutridos, durante mesmo período de tempo que passaram por tal restrição, mas não se esqueça que principalmente nos primeiros quatro dias de realimentação os famintos comerão até 20% a mais de alimentos.
Com o abaixamento das águas e o surgimento de cadáveres, quer seja de aves, suínos, bovinos e até animais silvestres, associado a fome do gado, aumenta bastante o risco de morte por botulismo. Esta doença praticamente fatal é originária da ingestão da potente toxina botulínica produzida pela bactéria Clostridium botulinum.
Nos intestinos dos animais há quase sempre a presença dessa bactéria, a qual após a morte da rês, em condições de ausência de oxigênio pela não abertura do cadáver, produz a toxina, que pode migrar para os tecidos e os ossos do cadáver. Com a decomposição do corpo, animais muito famintos e desnutridos, sem acesso à alimentação, podem comer pedaços de tendões e musculatura, e eventualmente ossos contendo a toxina. Além disto existe o risco de cadáveres ficarem decompostos dentro de açudes e bebedouros podendo contaminar a água com a toxina, sendo denominada de intoxicação hídrica.
A toxina ingerida é absorvida e provoca no bovino uma paralisia muscular, com o animal exibindo bamboleamento das cadeiras, dificuldade para se locomover e ingerir alimentos, queda, morrendo em média em três a 10 dias dependendo, de seu estado corporal.
A vacina contra o botulismo normalmente está presente dentre as proteções fornecidas pelas vacinas contra as “clostridioses”. Assim, recomenda-se que o gado seja vacinado imediatamente, a não ser que a vacinação tenha ocorrido, em dose dupla, há menos de seis meses. Deve-se enfatizar que a vacinação não protege completamente contra botulismo, principalmente quando as doses de toxina ingerida forem muito altas. Outra medida fundamental é a retirada, com devido colocação dos cadáveres em covas profundas, ou queima das carcaças de animais, para evitar que sejam ingeridos pelos sobreviventes!
Na região de Uruguaiana, um pesquisador da Univ. Fed. do Pampa descreveu a morte de mais de uma dezena de bovinos, de várias propriedades que foram inundadas, pela ingestão da planta arbustiva popularmente chamada de Mio-Mio (Baccharis coridifolia).
A morte ocorre 10 a 30 horas após a ingestão de cerca de 0,5 g da planta por quilo de peso corporal, com os animais apresentando os seguintes sintomas: perda de apetite, intranquilidade, levando ao animal a deitar e se levantar seguidas vezes, dificuldade de se locomover, mostrando cambaleio das “cadeiras”; excesso de ingestão de água, queda definitiva e morte dentro de poucas horas. As toxinas da planta causam grandes lesões no rúmen (bucho) intestinos, fígado e baço.
O tratamento sugerido é com carvão ativado (100 g) e cal hidratado (50 g) misturado à água e administrado via oral, porém os resultados são muito incertos.
A planta, por não ser apetitosa, é pouco ou nada ingerida pelos bovinos nativos da região, mas acredita-se que devido a fome e o fato da planta não ser encoberta pela inundação, fez com que os bovinos a ingerissem em grandes quantidades. O Mio-Mio é encontrado em toda região oeste do RS, parte do planalto catarinense, sul do PR e na região de Itararé no sudoeste de SP.
O mesmo pesquisador citado acima, descreveu focos de intoxicação em bovinos pela ingestão da planta arbustiva conhecida como Maria-mole, ou flôr-das-almas (Senecio brasiliensis), que nesta época do ano cresce em grande quantidade nos campos sulinos, podendo também vegetar em outros estados da região sul e no estado de SP. Por ser apetitosa e estar disponível os bovinos comem bastante, principalmente onde os pastos estão ralos. Para complicar, a concentração da toxina (alcalóide pirrozilidínico) na planta jovem é mais alta (de abril a junho) podendo ser mais letal.
Os sintomas são os seguintes: falta de apetite, fezes ressecadas, perda de peso, forte contração abdominal, surgimento de sintomas nervosos (andar sem rumo, ou em círculos, pressão cabeça em obstáculos etc.) e morte em até 10 dias. Os principais órgãos lesados são a língua (glossite diftérica), o fígado, o abomaso e o sistema nervoso central. Sugere-se a retirada dos bovinos das pastagens muito praguejadas com Maria-mole.
RISCOS A MÉDIO PRAZO (Contaminação de alimentos, Leptospirose e Tétano)
Existe uma alta probabilidade da ingestão de alimentos contaminados pela água da inundação, em especial os armazenados em silos e depósitos de ração. No caso da silagem de milho ou sorgo, aumenta o risco de contaminação pelas bactérias do gênero Clostridium (espécies sporogenesis e bifermentans). No caso do Clostridium, o risco é maior ainda se a silagem foi feita a pouco tempo. Essas bactérias em vez de produzir ácido láctico, que preservam a silagem, aumentam o ácido butírico e atacam as proteínas gerando aminas tóxicas e cheiro de peixe podre. Bovinos que comem essa silagem podem ter intensa diarreia, diminuição do apetite e grande perda de peso.
Outra bactéria problemática que pode contaminar a silagem é a Listeria monocytogenes, originária das fezes dos animais. Alguns dias após sua ingestão o bovino pode que apresentar febre e um complicado quadro nervoso (andar em círculos, paralisia de músculos da face, tremores musculares etc.), que pode levar à morte, principalmente animais estressados. Felizmente, a listeriose é pouca descrita e frequente em nosso meio, mas é bom prestar atenção. Nossa sugestão é evitar o oferecimento de alimentos contaminados pela inundação para bovinos.
Outra doença que o criador deve estará atento é a leptospirose. Ela é causada pela infecção de bactérias do gênero Leptospira, que geralmente são contraídas por ingestão de água contaminada por este microorganismo.
Estudos brasileiros indicam que 85 % das infecções estão ligados à contaminação da água ou de alimentos com essas bactérias provenientes da urina dos próprios bovinos, que mantêm a bactéria nos seus rins. Segundo o levantamento, outros 5 % dessas contaminações podem ser oriundas de urina de ratos, ratões de banhado, capivaras etc. Os outros 5% pode ser transmitida pela relação sexual com o touro, com o aspecto de uma doença venérea.
Em situações de inundação o risco de leptospirose aumenta bastante, pois os bovinos têm maior acesso à água contaminada. A principal vítima da leptospirose é a vaca prenhe, que pode apresentar mortalidade embrionária até o 25º de gestação ou abortamento a partir do 5º mês de prenhez. O tempo que demora entre a ingestão de água contaminada e a perda gestacional varia de oito a 20 dias. Fêmeas que foram duplamente vacinadas contra leptospirose (vacina reprodutiva) nos últimos quatro a cinco meses, antes da inseminação ou início da estação de monta, têm uma proteção de no mínimo de 80%. Porém, recomenda-se em vacas e touros que não foram imunizados recentemente que a vacinação seja imediata, com repetição após 45 dias.
Outra doença que pode surgir é o tétano, causado pela bactéria Clostridium tetani. A enfermidade é proveniente da contaminação de feridas com a bactéria, que produz uma potente toxina, geralmente após 12 a 15 dias após o surgimento, quando a ferida começa a cicatrizar e a se fechar. A chance da doença acontecer é grande pois, a frequência de ferimentos cortantes é alta durante as enchentes, e a água das inundações é bastante contaminada com C. tetani, oriunda de fezes de animais (com destaque a do cavalo).
Enquanto o botulismo provoca paralisia muscular, o tétano causa exatamente o contrário, ou seja, contração contínua muscular, praticamente irreversível. Diferente do que muitos dizem, bovinos que foram duplamente vacinados contra tétano (por exemplo, na desmama e um mês após), são resistentes à doença até 3 anos após a vacinação. Caso essa proteção já tenha se expirado, principalmente para animais mais velhos, a vacinação deve ser imediata, com revacinação após um mês.
RISCOS A LONGO PRAZO (Raiva; Tristeza parasitária, Fasciolose; Paranfistossomose)
É possível que aumentem os focos de raiva bovina, em rebanhos não vacinados, recentemente, em dois momentos: dentro dos próximos dois meses, com um segundo pico de ocorrência daqui 12 a 15 meses no RS. Segundo especialistas paulistas no assunto, a principal causa é a inundação de muitas cavernas e abrigos atuais de morcegos, deslocando a população de alados para locais mais seguros. É possível que muitas casas e pequenas instalações rurais abandonadas, após a inundação, virem novos abrigos.
Além da busca por uma habitação, a população de morcegos tem que se estabelecer onde tem alimentação farta, principalmente onde existem animais de sangue quente, com destaque aos bovinos e equinos, podendo migrar até 40 a 50 km a busca de um local ideal. Nessa migração uma única colônia de morcegos pode se dividir e se estabelecer em várias novas colônias, multiplicando a população de alados.
Assim, os possíveis surtos da doença a curto prazo podem ser advindos de morcegos contaminados com o vírus rábico que se deslocaram para novas regiões, em que a raiva bovina não era tão frequente. A longo prazo é esperado que ocorra um grande aumento de população de morcegos no estado, devido o surgimento e o espalhamento de novas colônias. Estima-se esse novo pico de raiva ocorra em 12 a 15 meses, pois a gestação das morcegas dura cerca de sete meses e os jovens morcegos começam a predar suas vítimas a partir do 5º mês de vida.
Os pesquisadores consultados lembram e comparam a situação da atual inundação no RS com o grande surto de raiva bovina que ocorreu na década de 1980, na região noroeste do estado bandeirante. Com o fechamento das comportas de uma nova usina termoelétrica (a de Três Irmãos) no rio Tietê dezenas de cavernas foram inundadas, deslocando as colônias de morcegos, que se alimentavam na beira do rio principalmente de animais silvestres (antas, capivaras, veados etc.) para locais em que bovinos eram maciçamente criados e não devidamente vacinados.
A vacinação contra raiva oferece proteção de até um ano para bovinos, assim recomenda-se que rebanhos gaúchos não vacinados recentemente sejam imunizados agora contra raiva, repetindo a dose daqui 365 dias.
Tudo indica que a presente tragédia no território gaúcho diminua drasticamente o número de carrapatos no gado, pois as jabuticabas (teleóginas) adultas cheia de sangue que caíram dos bovinos, neste período no solo para colocar seus ovos, e as futuras larvas, morrem após ficarem três dias submersas na inundação. Assim espera-se que ocorra uma infestação muito pequena de carrapatos a médio prazo no gado dos pampas.
Embora esse menor ataque de carrapatos tenha um lado positivo, por outro lado os bovinos, principalmente jovens, não terão contato com os agentes que causam a tristeza parasitária (Anaplasma spp. e Babesia spp), e que são transmitidos pelos carrapatos. Essa falta de contato com esses agentes não induzirá nesses bovinos jovens produção de anticorpos contra eles. Em outras palavras, quando daqui oito a dez meses esses animais ficarem “carrapatados” terão um alto risco de apresentarem a maléfica tristeza parasitária, que pode se apresentar de forma muito grave. De olho nisso!
As inundações devem rapidamente favorecer o crescimento populacional de certos caramujos (gênero Lymnaea e gênero Planorbis) que são hospedeiros intermediários (HI), respectivamente, de dois vermes chatos (Fascíola hepatica e o Paramphistomum cervi) que parasitam bovinos. Os caramujos são fundamentais para que formas jovens desses parasitas penetrem neles, se multipliquem e se tornem mais aptos, para em seguida infestarem os capins a beira dos banhados e sejam engolidos pelos bovinos. Como o próprio sobrenome do parasita diz a F. hepatica parasita o fígado de bovinos e o P. cervi o intestino delgado e o rúmen.
Os dois parasitas são comumente encontrados no gado gaúcho, mas acredita-se que dentro de pouco tempo provocarão surtos em gado que pasteja em baixadas recém-inundadas e várzeas de plantação de arroz. No RS é comum após a colheita do arroz de várzea a colocação de bovinos para pastejar na área. Ambos os parasitas provocam diarreia, anemia e perda de peso, e ocasionalmente morte (vide a última notícia do RADAR para entender melhor a ação do Paramphistomum). Para combater a fasciolose e a paranfistossomose recomenda-se que o gado de corte gaúcho, de área em que a doença normalmente acontece, em especial em área de banhados, seja tratado dentro dos próximos trinta dias com anti-helmínticos a base de nitroxinil.
QUEM PAGARÁ A CONTA DA PREVENÇÃO SANITÁRIA NOS REBANHOS NO RS?
Agora que as águas parecem baixar, vão se contabilizar os prejuízos na pecuária de corte. Além da reconstrução das instalações, enterro dos cadáveres, oferta de alimentos descontaminados ao gado, é fundamental a vacinação e vermifugação contra várias doenças, como exposto e priorizado pelo RADAR SANITÁRIO. A pergunta fatal é quem vai pagar a conta? Uma parte significativa dos pecuaristas teve grandes prejuízos com a criação, as instalações, os equipamentos e muitas vezes até com sua moradia.
O tempo urge e muitas medidas devem ser tomadas com presteza. Segundo a mídia, a Confederação da Agricultura e Pecuária do RS vai investir R$ 100 milhões no setor, o que é muito pouco, pois vai ser dividido em muitas atividades agropecuárias, provavelmente sobrando pouco para a pecuária de corte. O quanto a Secretaria da Agricultura do RS e o MAPA vão investir na área de prevenção sanitária ainda é incerto.
Segundo uma fonte do MAPA, normalmente o Ministério não disponibiliza vacinas e outros medicamentos veterinários, limitando-se a aprova-los e manter os registros mediante processos de fiscalização. Mas sugiro que outras Instituições, incluindo as já citadas, como as mais variadas Associações de Criadores, o SINDAM, que representa as indústrias veterinárias que produzem vacinas, vermífugos e outros medicamentos, a ASBRAN, a ABPA etc. possam especificamente prover estes principais produtos urgentes para a prevenção sanitária, para não aumentar mais os prejuízos do já combalido e descapitalizado pecuarista gaúcho. Ficamos na torcida!
SURTOS E FOCOS DE DOENÇAS NO BRASIL
FOCO DE COCCIDIOSE EM CONFINAMENTO PAULISTA
Foi descrito um foco de cinco casos de coccidiose, no decorrer de 10 dias, num confinamento com 600 cabeças, situado no norte do estado de São Paulo. Os bovinos acometidos tinham ao redor de 80 dias de cocho e dentro de aproximadamente 15 dias seriam enviados para o abate. Os doentes apresentaram apatia, diminuição do apetite, perda de peso, febre de pequena intensidade, eliminação de fezes diarreicas sanguinolentas e malcheirosas por uns dois a três dias, e um certo grau de desidratação.
Por sugestão, os animais foram imediatamente isolados do ambiente e tratados por alguns dias com sulfonamida específica, melhorando no decorrer da terapia e voltando a ganhar peso. Embora essa sulfa fosse menos eficiente no tratamento do que o medicamento à base de toltrazuril, esse antibiótico não pode ser usado, pois seu período de carência é de 60 dias, inviabilizando os animais de irem ao abate, enquanto da sulfa é de apenas quatro dias.
A coccidiose é muita mais frequente em bovinos de até oito meses de idade que em adultos, cuja a ocorrência é ocasional e geralmente não acomete um grande número de rezes no rebanho. A gravidade do caso vai depender da quantidade de oocistos de Eimeria spp ingeridos, ou pela água ou pelos alimentos contaminados com o parasita. Aparentemente, no confinamento a água era tratada, os alimentos isentos de contaminação fecal e os cochos e bebedouros eram elevados, dificultando a contaminação com fezes diarreicas contendo oocisto do parasita. Acredita-se que algum bovino do lote que estivesse eliminando oocistos do parasita tenha contaminado alimento que porventura estivesse no chão, o qual pode ter sido ingerido por um bovino, que posteriormente contaminou os demais. Todo cuidado é pouco!
SURTO DE PARANFISTOSSOME EM GADO MARANHENSE
Professor da Faculdade de Veterinária da Univ. Est. do Maranhão descreveu recentemente um surto de paranfistossomose em rebanho do município de Bacabal, região central do Maranhão. Morreram 18 bovinos, de 24 a 36 meses de idade, de um lote de cerca de 400 animais que pastejavam exclusivamente áreas de baixadas da propriedade, que tinha ao redor de 2.000 cabeças, mas boa parte deles mantidas em áreas mais elevadas, não submetidas ao alagamento.
Segundo o Instituto Nacional de Meteorologia (INMET), o acumulado nos primeiros meses de 2024 no Maranhão, em especial em Bacabal, foi bem acima da média, atingindo ao redor de 900 mm, o que deve ter favorecido o crescimento de caramujos, incluindo os do gênero Planorbis, que foram encontrados em grande quantidade, no piquete em questão, pelo professor maranhense.
Os animais com parafintossomose apresentavam perda de peso, diarreia, desânimo, anemia (volume globular médio de 18%) e inchaço embaixo da ganacha (edema submandibular). Um número maior de bovinos do mesmo lote apresentava sintomas mais leves, comparado com os que morreram. Na necropsia foi constatado a presença de parasitas adultos de Paramphistomum cervi no rúmen (± 1 cm de comprimento) e de formas jovens (± 1 a 2 mm) encistada na parede do primeiro segmento (duodeno) do intestino delgado, que se apresentava bastante inflamado.
O ciclo do Paramphistomum cervi (vide abaixo) é indireto, ou seja, para completar sua vida tem que passar pelo caramujo. Os ovos do verme chato saem pelas fezes do bovino. Já no meio exterior, de dentro do ovo saí uma larvinha (miracídio) que penetra num caramujo (planorbídeo). No interior deste, no decorrer de quatro semanas, evolui para dois diferentes estágios (esporocisto e rédias), se multiplica de forma assexuada e saí do molusco na forma de cercaria (com cauda), no meio ambiente perde a cauda (metacercária) e fica esperando o animal ingeri-lo na pastagem.
Após a ingestão a metacercária se transforma numa larva e penetra no intestino delgado, e por aí permanece por até sete semanas ingerindo sangue e causando um grande dano na parede. Após isso, migram de volta para o rúmen, se tornam adultos, copulam e eliminam os ovos nas fezes. No rúmen não causam grande danos, pois se alimentam em sua maioria de conteúdo ruminal. Desde a ingestão dos ovos até a eliminação deste nas fezes demora ao redor de 10 semanas.
O controle ideal seria evitar a colocação de bovinos nos locais alagadiços que albergam o caramujo e fazer o tratamento terapêutico com medicamentos a base de nitroxinil. Ainda faltam estudos nos estados que comprovadamente têm a paranfistossomose (RS, PR, SP, AC, MA e PA) para determinar os momentos certos para o tratamento estratégico contra esta doença e diminuir a quantidade de parasitos no ambiente, tarefa para a prodigiosa classe dos parasitologistas veterinários brasileiros!
Mande sua notícia da presença de focos ou surtos recentes dos mais variados tipos de doenças em gado de corte para o seguinte email: ortolani@usp.br