Por Pedro Camargo – Conselheiro da Associação Brasileira de Marketing Rural e Agro (ABMRA)
O primeiro e principal tema da sustentabilidade é o desmatamento. Começa com a emissão de carbono da queima da vegetação e continua nos efeitos nas nascentes e no lençol freático prejudicando a biodiversidade.
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Após amplo debate no Congresso Nacional, um marco legal para as florestas foi aprovado por ampla maioria no dia 25 de maio de 2012. A primeira versão do atual Código Florestal foi aprovada na Câmara Federal por 410 votos contra 63; e no Senado, 59 contra 7.
No dia seguinte, o ambientalismo e o Ministério Público Federal entraram no Supremo Tribunal Federal (STF) com diversas Ações Direta de Inconstitucionalidade (ADIN), contestando artigos do Código Florestal. As ADINs foram julgadas em 28 de fevereiro de 2018, o Código foi considerado amplamente constitucional e o Acórdão publicado em 12 de agosto de 2019. Ou seja, os 7 anos em que a insegurança jurídica criada por não ter um marco legal tranquilo a ser seguido pela sociedade interessava a quem? Certamente não ao meio ambiente.
Decreto de 1934 ofereceu os primeiros fundamentos do que seria um Código Florestal. A norma possibilitava a derrubada de 75% da área coberta por mata sem qualquer menção a outro tipo de vegetação. Foi substituído 30 anos depois pela Lei 4.771 de 1965, que inovou estabelecendo percentuais de proteção das matas conforme a região do país.
Na sequência foi sendo gradativamente modernizado por diversas novas legislações, em especial a Lei 7.803 de 1989 que introduziu de maneira definitiva o conceito de reserva legal tratando como percentual de área mínima a ser preservado no interior da propriedade rural. Não somente os territórios de mata deveriam ser preservados, mas qualquer que fosse a forma de vegetação existente, inclusive as de cerrado.
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Evoluímos também no conceito de áreas de preservação permanente, conhecidas como Área de Proteção Permanente (APP). No passado, a orientação técnica indicava desmatar até a margem do rio em função de considerações sanitárias. Posteriormente, evoluiu para uma faixa à margem dos rios, córregos, nascentes e lagos, as APPs.
A responsabilidade pelo cumprimento da Lei é do Poder Público. Não podemos ser penalizados por deficiências de segurança da polícia do Estado. Este vazio tem sido ocupado pelos grileiros, madeireiros e garimpeiros ilegais, criminosos que nada têm relacionado com o produtor rural. O setor, porém, está pagando um alto preço pela existência dessa ilegalidade.
A aprovação do Código Florestal criou uma autodeclaração dos proprietários, o Cadastro Ambiental Rural (CAR). Nele o proprietário apresenta o perímetro da sua área com e sem vegetação preservada, as obrigações previstas na legislação de APP e de Reserva Legal (RL) determinadas. Incluiu também a possibilidade do proprietário, que não estivesse com todas as obrigações exigidas pela nova legislação, a se adequar e promover a regularização do imóvel dentro de um novo prazo, o Programa de Regularização Ambiental (PRA).
A análise dos CARs exige uma ação dos poderes públicos maior do que se imaginava. O atraso é gritante. Somente 2% foram analisados. Alguns estados melhor que outros. Atendendo a obrigação legal, proprietários apresentaram mais de 6 milhões de cadastros.
O que se apresentava como instrumento de comprovação da elevada cobertura vegetal existente no país, não conseguiu ainda obter a necessária credibilidade, permitindo que os desvios, em menor número, prejudiquem o todo.
O processo de validação dos milhões de CARs, estratégia de aproveitamento dessa importante base de dados nasceu errada, e continua errada. O básico, ponto de partida, é que o perímetro esteja correto, sem superposições com outras áreas particulares, além de estarem fora de florestas públicas não destinadas, unidades de conservação de domínio público e reservas ambientais.
Até outro dia não haviam retirado da base os CARs dentro de Reservas Indígenas. O cadastro desses perímetros tem informações chave para a fiscalização. A atualização desse cadastro precisaria ter prioridade para sua utilização no combate à criminalidade.
Analisar e negociar individualmente a regularização dos milhões de cadastros exige um esforço dos serviços públicos que já se mostrou superior à capacidade dentro do espaço de tempo necessário. Passou da hora de alterar a estratégia. O que realmente precisamos com urgência é combater o desmatamento ilegal. Regularizar APP e RL são importantes, porém, podem aguardar a lentidão das análises individuais dos serviços públicos. O crime não.
Para uma maior rapidez desse processo é essencial limpar de imediato os CARs que apresentem fraudes, corrigir perímetros e atualizar os dados e endereços dos proprietários responsáveis. Uma base cadastral atualizada permitiria automatizar a identificação dos desmatamentos com o auxílio de ferramentas de tecnologia de informação e georreferenciamento.
Desmatou hoje, o CPF do responsável é notificado a se apresentar e se justificar. Não existindo responsável privado, a força policial seria acionada. Não se justifica uma base de dados territoriais tão relevante não merecer um mínimo de ação em operações que podem mesmo ser em grande parte automatizadas.
Também para o pequeno produtor a regularização é essencial. Pequenos desmatamentos de muitos se multiplicam em um grande problema. O Instituto Nacional de Reforma Agrária (INCRA) precisa colocar ordem no processo de regularização fundiária. Somente no Pará, o estado da Conferência do Clima sobre Mudanças Climáticas (COP-30), existem três superintendências do INCRA com milhares de assentamentos. A desobediência civil também emite carbono. O essencial aqui novamente é o perímetro e seu responsável legal fundiário na construção da regularidade ambiental.
Enfrentar a criminalidade do desmatamento é prioridade. O mínimo que se exige é o cadastro dos perímetros e seus responsáveis validados. Não existe desculpa para os poderes públicos não realizarem isso de imediato. Estratégia, fiscalização e polícia são responsabilidade dos poderes públicos, porém, quem paga a conta é a sociedade.
Não adianta insistir na divulgação de dados sobre os desmatamentos ilegais e legais em conjunto. São fatos políticos distintos. Equacionada a criminalidade, o debate técnico sobre a questão ambiental da cobertura vegetal pode e precisa acontecer.
A questão do momento é a Legislação Europeia exigindo rastreabilidade da produção na questão do desmatamento. Certamente é protecionismo. A questão ambiental cresceu de relevância no continente europeu. Construíram um argumento novo, verde. Importante entender o sinal e se preparar, inclusive porque não precisamos nos assustar; nossa produção é amplamente verde.
Pressionar a ilegalidade do território através do produto pode ser a única maneira para o importador estrangeiro. É uma agenda externa. Nós, brasileiros, precisamos é ir ao foco do problema sem intermediários e combater a ilegalidade territorial do desmatamento irregular. O estímulo não é a produção de carne e sim o roubo de terras e a especulação imobiliária.
A ilegalidade está no desmatamento irregular. Não no produto. Serão ações territoriais que produzirão os efeitos que precisamos. A rastreabilidade que necessitamos é a territorial, a dos satélites identificando o desmatamento ilegal.
A maior parte da produção do Brasil já atende a legislação europeia, até mesmo o que excede a legislação brasileira. Será uma questão de rastreabilidade e certificação. Um carimbo a mais. Um custo a mais que precisamos repassar para eles. O que vem sendo construído no Ministério da Agricultura e Pecuária (MAPA), a plataforma AgroBrasil + Sustentabilidade, poderia ser uma saída.
A rejeição pelos produtores vejo como negativa. Já fizemos outras rastreabilidades, até mais absurdas. Lembrem-se do Sistema Brasileiro de Identificação Individual de Bovinos (SISBOV), que colocou um brinco em cada boi por conta da BSE – doença inexistente por aqui – administrada por decreto pela Confederação Nacional da Agricultura (CNA).
Por conta da exigência irregular, equivocada de ir além da boa legislação que já temos, exigir o legal é uma coisa; ir além disso é um erro. Por isso, precisamos contestar na Organização Mundial de Comércio (OMC), mesmo que hoje esteja fragilizada. Claramente uma barreira não haveria tarifária irregular. As regras de comércio não evoluíram para contemplar a questão ambiental. É essencial pressionar e construir nesse sentido. O Brasil precisa do multilateralismo.
O setor privado precisa, porém, preparar-se para atender, mesmo que discorde. A OMC demora muito e mesmo vencendo às vezes não resolve.
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